Resumo O poder das palavras é intenso e quando aliadas num contexto forte são regeneradoras e adjuvantes para almas mais tranquilas e/ou...

Os lados femininos da Grécia e Roma antigas: Mulheres poetas (1ª Parte)

Resumo
O poder das palavras é intenso e quando aliadas num contexto forte são regeneradoras e adjuvantes para almas mais tranquilas e/ou solitárias. A poesia ergue-se no hemisfério do mundo das palavras como um santuário que acolhe o autor e o leitor. O/a compositor/a de versos, o dito poeta/poetisa, faz com que dele brotem versos que encontram a sua verdadeira significação nos leitores. 

A transmissão escrita e oral de pensamentos e sentimentos tem uma história remota e os nossos antepassados fruíram de escritos, seja em verso ou prosa que iluminaram o caminho de muitos/as pensadores/as e criadores/as. 

Desde os tempos da Grécia e Roma antigas, foram algumas as mulheres que se destacaram no campo da escrita e cujo legado, infelizmente, foi desvanecendo com o tempo, restando em alguns casos, apenas fragmentos que se mantêm e que podem ser reconfigurados, analisados e apreciados à luz dos nossos dias. 

Palavras-Chave: Poesia, Grécia antiga, Roma antiga, mulheres poetas 

GRÉCIA 

1 - Espadas e Canas 


Plutarco, filósofo e historiador escreveu o seguinte sobre as virtudes das mulheres na sua conhecida obra, Morália: 

De todos os feitos realizados por mulheres em prol da comunidade nenhum é mais famoso do que a batalha contra Cleomenes por Argos (494 B.C) na qual, as mulheres ficaram sob o comando de Telesilla, a poeta.

Telesilla, de acordo com relatos, era filha de uma casa nobre, mas muito débil fisicamente, por isso, foi enviada ao oráculo para saber mais sobre a sua saúde; e quando o oráculo lhe revelou que devia cultivar as Musas, ela seguiu esse conselho rapidamente e ao devotar-se à música e à poesia rapidamente se curou dos seus problemas físicos e passou a ser admirada pelas mulheres devido ao seu talento poético.

Trata-se de um registo histórico sobre Telessila, uma das poetas mais influentes e inspiradoras da Grécia Antiga, apesar de nos nossos dias, apenas restar da sua obra um pequeno fragmento que evidencia uma métrica distinta, como afirmam vários estudiosos. 

Além da métrica, Telessila também se destacou por ter inventado algumas palavras com definições muito concretas, tais como ‘oulokikinna’ (cabelo encaracolado) e ‘dilon’ (eira). A sua inclinação para a escrita manifestava-se no estilo de poesia lírica que escrevia dedicada ao deus Apolo e à deusa da caça, animais selvagens, castidade e maternidade Artemis, conhecida como Diana na Roma antiga. 

Os seus feitos de bravura na defesa militar de Argos com um exército de mulheres estão descritos nos trabalhos de Pausanias, um antigo geógrafo e viajante de origem grega.

2 - Poeta da vida selvagem 


Anite de Tégea foi uma das poetas da Grécia Antiga com a maior quantidade da sua obra preservada até aos dias de hoje. Anite escrevia primordialmente epigramas sobre a natureza e epitáfios, sendo que os que escrevia sobre a relação entre o homem e o mundo animal e natural eram extremamente populares. 

Aqui está um epitáfio escrito sobre um animal de estimação: 

You died, Maira, near your many-rooted home at Locri, swiftest of noise-loving hounds; A spotted-throated viper darted his cruel venom into your light-moving limbs.

O seu talento era reconhecido e Anite era requisitada muitas vezes para escrever epitáfios para famílias que sofriam a perda dos seus animais de estimação. 

Os epigramas helénicos conheceram um período frutuoso, no qual os poetas encontravam nessa forma curta, mas intensa, uma maneira eficaz de transmitir o quotidiano de indivíduos simples e as suas relações com familiares e amigos. 

Anite, assim como Nossis e Erina, foi das primeiras mulheres poetas helénicas que se concentrou em epigramas que descreviam o quotidiano de mulheres, as suas perdas, triunfos e pequenas conquistas. Dessa forma, a mulher enquanto poeta foi ganhando mais força no mundo patriarcal da Grécia Antiga. 

3 - Adivinhas sagazes 


Na antiguidade, os músicos serviam-se de instrumentos feitos a partir de ossos e peles de animais. Na Grécia antiga, muitas flautas eram feitas de ossos das pernas de faunos, no entanto, alguns músicos descobriram que as pernas dos burros conferiam um som mais perfeito. Foi desta constatação que nasceu um dos ditos de Cleobulina mais populares acerca da flauta de Frígia, para nos fazer pensar que um animal aparentemente pouco musical, pode providenciar após a sua morte, um dos melhores sons imagináveis. 

A dead ass boxed my ear with his horned shin-bone.

Alguns académicos e outros estudiosos duvidam da existência real de Cleobulina de Ródes e avançam com a teoria de que se trata somente de uma personificação de uma mulher anónima que fazia adivinhas, no entanto, Cleobulina continua a ser sinónimo de uma mulher poeta perspicaz e sagaz que usando pequenos versos conseguia fazer meditar sobre pequenos aspectos do quotidiano da Grécia Antiga. 

As adivinhas, enquanto expressão escrita, adquiriam para alguns estudiosos, segundo Aristóteles, a mesma importância que a poesia ou que os jogos de palavras inteligentes. Essa importância deriva do cerne sofisticado que uma adivinha contém, sendo que para Aristóteles seria uma descrição de algo real, mas com um pressuposto que parece descrever algo intangível ou mesmo impossível. Essa qualidade fez com que contar advinhas fosse uma das actividades predilectas de certos atenienses depois de um longo banquete. 

Apesar de restarem dúvidas sobre a natureza (se ficcional ou real) de Cleobulina, não se pode negar que esta é um símbolo de uma mulher com um elevado grau de educação e que sabia misturar com mestria inteligência e humor. 

4 – Mirtis de Antedônia 

A poesia lírica de origem grega era primeiramente composta para ser cantada. É-nos revelado através de relatos históricos que uma das vozes mais encantadoras era de uma mulher chamada Mirtis de Antedônia. Infelizmente, nenhum dos seus poemas ficou registado para a posteridade, mas a sua influência era enorme e estudiosos da antiguidade elegem-na como umas das melhores mulheres poetas do seu tempo.

A sua fama foi suficiente para que da sua figura fosse feita uma estátua em bronze e alguns dados sugerem que terá sido professora de uma outra poeta grega de importância, Corinna de Tângra.

5 – Eros personificado

 Sappho (1877) de Charles Mengin 
                                   
Um dos nomes mais reconhecidos da antiguidade. Safo foi descrita por Platão como a décima musa e deixou para a posteridade um legado poético considerável. 

Os dados da sua biografia são nos trazidos por dedução analítica da sua poesia. Sabe-se que era de uma família com algum prestígio e poder de Mitilene e que, supostamente, fundou uma escola para mulheres que viajavam de vários lugares da Grécia para serem alunas de Safo. Nessa escola, Safo dava aulas de poesia, dança e música, sendo que a arte poética estava intimamente ligada à música com os versos a serem recitados acompanhados por uma lira. 

A poesia de Safo é imediata e magnetizante pela seu carácter vibrante e apaixonado, cimentando-a como uma figura apaixonante e apaixonada por mulheres. Essa paixão é lida em duas vertentes, uma que afirma que Safo apenas nutria um amor filial, leal e de profunda admiração pelas mulheres que conheceu ao longo da sua vida e sobre as quais escreveu poemas e uma outra que considera essa mesma paixão numa vertente mais carnal, passional e sensual, sendo Safo o símbolo do amor homossexual entre mulheres. Sáfica deriva de Safo e lésbica deriva da ilha de Lesbos, da qual Safo era natural. 

Safo continua a ser nos dias de hoje uma poeta vibrante e apaixonada que pintou em versos directos, mas intensos, os vários espectros do amor. 

6 – A Roca

  Erinna por Rembrandt Peale (1845)
                                    
Os relatos históricos contam-nos que Erina faleceu precocemente, apenas com a idade de 19 anos, mas deixou um poema longo intitulado “A Roca” do qual restam hoje em dia, apenas alguns fragmentos. 

O poema é imiscuído na dor pessoal pela perda de Báucis, uma amiga sua muito próxima. A análise do longo fragmento que nos resta do poema mostra-nos que a primeira parte se centra na amizade com Báucis. Nos jogos que jogavam enquanto crianças, sendo que um deles se destaca e se chama chelichelone (jogo da tartaruga). 

Este jogo é de cariz oral e era frequentemente jogado por duas raparigas. Uma delas estava sentada a realizar alguma tarefa e a outra acercava-se dela, fazendo-lhe um jogo de perguntas que culminava com o verbo “saltar”, momento em que a rapariga se levantava e corria para apanhar a outra rapariga, numa emulação do jogo da “apanhada”. Assim que a conseguisse apanhar, a rapariga tornava-se ela a tartaruga, assegurando a circularidade do jogo. 

No poema, há também alusões a uma criatura mítica chamada Mormo, uma espécie de papão da Grécia Antiga. Mormo era um espírito feminino do folclore grego que as mães utilizavam em histórias para assegurar o bom-comportamento das crianças. 

Apesar da sua curta existência física, Erina é tida como uma das figuras incontornáveis da poesia da Grécia Antiga e é tida como uma das companheiras de Safo. 

7 – Lendas e heróis

 Corinna of Tanagra de Frederick Leighton 
                                                   
Corina de Tângra é considerada uma das Nove musas da poesia da Grécia Antiga e alguns relatos colocam-na como contemporânea do poeta Pindar, que assim como Corina também se dedicava à poesia lírica coral. 

Cerca de 42 fragmentos da sua poesia sobreviveram até aos dias de hoje, não existindo qualquer poema completo. Apesar de fazer parte da tradição de poesia escrita por mulheres, de acordo com a professora universitária e autora, Marilyn Skinner, a poesia de Corina distinguia-se da de Safo por ser escrita de um ponto de vista patriarcal. 

A sua poesia focava-se muito nas lendas de Boécia, a sua terra natal, e como tal, o seu trabalho pareceu não interessar muito aos críticos, no entanto, o seu trabalho é muito relevante como uma das mulheres poetas com a maior quantidade de obra preservada até hoje. 

8 – A voz de Eros

 Nossis por Francesco Jerace 
                                                                               
Nossis nascida em Locris, assim como Anite e Erina, foi uma das primeiras mulheres a escrever poesia com o intuito sério desta ser considerada literatura, e assim como as duas poetas acima referidas, retratava também o quotidiano de mulheres e outras figuras normalmente não representadas na tradição poética da Grécia Antiga. 

A poesia escrita por Nossis era influente e foi Antipater que inventou a palavra “Thelyglossos” como alcunha, significando literalmente “língua feminina” para descrever Nossis. Alcunha que reforçava o carácter feminino da sua poesia. 

Nos seus poemas está presente uma admiração pela poesia de Safo, e crê-se que Nossis era uma poeta bastante confiante e interessada em disseminar a sua arte poética. 

Assim como Safo, Nossis também se centrava na temática do Amor, era uma poeta dedicada ao Eros e existe até aos dias de hoje, um epigrama seu dedicado a Eros. 

Nada é mais doce que o amor. Tudo mais o que se deseja 
É-lhe secundário. Cuspo até mel pela minha boca. 
Nossis diz isto: Aquela que nunca foi amada por Afrodite 
Essa mulher não sabe que tipo de flores as rosas são

Para alguns estudiosos, os versos apresentam um cariz um pouco erótico, mas estabelece a identidade da poeta como uma legitima poeta do amor. Nessa perspectiva, Nossis lidera o caminho de Eros da perspectiva de uma mulher e para uma mulher, obliterando o domínio patriarcal sobre os desejos sensuais. Nossis exalta apenas o lado “doce” e positivo do amor, olvidando o seu lado ora negro, ora tortuoso que traz dor e infelicidade. Para Nossis, amor é apenas luz e rosas sem espinhos. 

Assim como Safo, Nossis continua a ser até aos dias de hoje, uma das mais influentes mulheres poetas da antiguidade e uma porta-voz de Eros. 

9 – Banquetes e canções

   Praxilla por John William Godward 
                                       
Praxilla figura também como uma das nove musas descritas por Antipater. Alguma da sua obra sobreviveu até aos dias de hoje, mas dados biográficos são inconclusivos. Restam-nos algumas das peças escritas por si, entre elas, ditirambos, hinos e canções inspiradas em Baco. 

Há várias teorias relativamente à posição social de Praxilla, mas uma delas avançada pelo professor e autor, Ian Plant, é que Praxilla seria músico profissional que se dedicava a canções para festins e banquetes. 

Apesar da falta de informação e detalhes acerca da sua biografia, Praxilla continua a ser uma das nove mulheres poetas imortais eleitas por Antipater.

(CONTINUA...)
Texto: Cláudia Zafre