Género: electrónica, experimental, drone Álbum: Intercepção Data de Lançamento: 15 de Maio, 2020 Editora: Zabra Records © Zabr...

Intercepção: Zabra Records celebra o seu aniversário com lançamento de uma compilação e exposição virtual

Género: electrónica, experimental, drone
Álbum: Intercepção
Data de Lançamento: 15 de Maio, 2020
Editora: Zabra Records

© Zabra Records

Vídeo arte, instalações, performances e pintura são algumas das valências artísticas que inspiram os dez temas de electrónica experimental editados pela Zabra Records na sua mais recente compilação intitulada Intercepção que se regista como o décimo álbum da editora lisboeta. 

Intercepção brota de um conceito idealizado pelo artista João Pedro Fonseca de uma exposição virtual em cujas salas podemos ver a peça artística e ouvir o tema inspirado por ela. 

A confluência dos temas musicais com as várias peças de arte criam dinâmicas de uma atmosfera dicotómica entre a negritude da destruição e a luminosidade da reconstrução num fluxo perpétuo e quase subconsciente de regeneração. A dialéctica que se constrói entre a peça visual e musical é fundamental no conceito da exposição visual, com a curadoria de João Pedro Fonseca, textos e curadoria adicional de Manuel Bogalheiro e revisão por Filipa Henriques

A morte física é uma das constantes da nossa existência, no entanto, há quem parta para o desconhecido deixando a sua marca e a sua imagem intemporal no mundo, entrando para a história e/ou tornando-se uma lenda ou mesmo um mito, assim aconteceu com Antínoo, um dos membros do círculo próximo do imperador Adriano. Foi após a morte de Antínoo, que Adriano ordenou a sua deificação. Foram também erigidos alguns monumentos e templos em honra ao jovem. 
É esta personagem mítica que inspira a peça de videoarte, postene me audire, musicada por Lachrin, onde é criada uma atmosfera transcendente e contemplativa de ritual de passagem, uma transmigração existencial. Lachrin envolve-nos em drones reverberatórios e instrumentação solene quase sacra que anulam a noção de tempo cronológico e nos colocam frente a frente com uma passagem para o desconhecido. É uma peça de tom soturno com vislumbres estóicos da transfiguração de um ser em mito. 

A negritude aparente de um conceito como a morte é aflorado pela luminosidade da esperança ou da fé. Uma existência pontuada por um jogo de sombras e luz que coube a Aires musicar. No centro da peça visual, destaca-se o punctum de uma bola de espelhos, acompanhada por fotografias de troncos de árvores suspensas no ar cobertas por pequenos espelhos. A peça musical evolui a partir de um drone subtil até atingir o plano de uma electrónica hipnotizante e contagiante pela sua repetição, criando um clima de desordem, ainda que contida. 

© Zabra Records

Cucina Povera, projecto de Maria Rossi - que se distingue pela junção de acappella fantasmagórica com sintetizador minimalista e elementos distintos de electroacústica – , musica uma peça de videoarte intitulada Resin que atrai para o conceito da fossilização e para belos tons de amarelos. No tema, as camadas de vozes são guiadas por uma percussão muito subtil quase ritualista na sua repetição como um metrónomo ancestral. As vozes femininas, pelos seus tons e cadências distintas criam uma sensação quase espectral de existência. 

O futurismo alcança-nos com a composição de Galtier para uma instalação à base de lasers. O tema acentua o futurismo, o surrealismo quase mágico da existência não orgânica e um ligeiro esgar de distopia. Poderia muito bem ser uma banda-sonora para algumas tiras de Moebius

Voltamos à convergência entre luz e sombra, existência e desvanecimento com Evitceles, projecto da Bulgária de drone e electrónica experimental. Os traços ambientais pontuados por clips de vozes humanas, apontamentos sonoros quase líricos e angelicais construídos numa base de drone minimal que teve por base a instalação intitulada coil dialogue

Vozes manipuladas e retalhadas criam dissonâncias que juntas compactam uma melodia exploratória seguindo uma linha de musique concrète no tema de VVTNSS, para uma performance de dança executada por 10 dançarinos. 

Oxidized é a peça de arte que inspirou i-ne-s para um tema que se apoia em versos e narrativa spoken word assente em sintetizadores bamboleantes e minimalistas. O processo do que enferruja e oxida a transformação dos metais. 

Kuthi Jin de Itália inspirou-se na peça Foreign Crate para a sua peça musical assente em colagens em que a natureza é desconstruída, mas o principal instrumento. 

© Zabra Records

A movimentação frenética global e da própria natureza parece ser um dos motes para a criação musical de Bliss Currency, apoiada numa série de telas de azuis e amarelos que representam cães e outras figuras envoltas em tempo suspenso pela rapidez dos seus movimentos. O tema musical hipnotizante revolve-se numa série de vozes perdidas para sempre em diálogos e monólogos, cuja colagem ou mosaico provocam uma sensação de vertigem existencial. 

O tema que encerra a compilação fica a cargo de Herbert Quain (Manuel Bogalheiro) para ilustrar uma série de videoarte intitulada Fitting Boxes. Cinemático e contemplativo, a peça musical distende-se por várias emoções sonoras, não havendo monotonia ou linearidade. 

Transições, transmutações e, claro, Intercepções, são algumas palavras-chave para descrever este projecto interessante da Zabra Records. Em tempos críticos e de confinamento temos oportunidade de descobrir e apreciar peças de arte numa galeria virtual ao som de propostas interessantes de música electrónica experimental. Boa visita e boa viagem.

Texto: Cláudia Zafre
Imagens: © Zabra Records