Resumo Não há limites nem regras para o improviso, reina a criatividade com liberdade total e absoluta que rompe por entre preconceitos, ...

DARK DIVAS: Mulheres do Experimental e Verso

Resumo
Não há limites nem regras para o improviso, reina a criatividade com liberdade total e absoluta que rompe por entre preconceitos, ideias feitas e dogmas. Pode ser também que o instrumento musical mais forte e intenso nasça connosco, a voz. Esta que aliada a uma caneta que escreve versos pode ser tão cortante e afiada quanto uma espada ou katana de samurai. Seja através de paisagens sonoras de dark ambient, spoken word puro e intimista, experimentações com sons naturais e o uso da voz de maneiras surpreendentes e arrojadas, há uma infinidade de possibilidades que foram e são exploradas por várias mulheres que se dedicaram à música e a criar texturas que desafiam e ao mesmo tempo educam o ouvido.

Palavras-chave: experimental, dark ambient

1 - Introdução a Maja Ratkje
Compositora norueguesa nascida a 1973 que usa a sua voz de formas surpreendentes e inimitáveis, criando uma atmosfera de algum desconforto seguido imediatamente de uma estranha calma induzida pelo uso de sons que invocam a natureza (mar, som de grilos e cigarras, uma noite de verão), talvez a sua preferência por usar esses sons derive do facto de ser uma forte apoiante e militante de causas ecológicas. Tem várias obras compostas e é uma fonte de inspiração para artistas newcomers da música experimental. O seu disco “Voice” de 2002 é composto por temas cujo cerne é a sua voz seja através de sampling ou de forma directa. Um dos seus temas mais acessíveis talvez seja “Vacum”, no qual viajamos por diversas paisagens sonoras que nos transformam em autênticos “psiconautas” sem a ajuda de aditivos ou substâncias externas.  Fica interessante de ouvir e absorver as maneiras criativas de usar a voz como instrumento musical dinâmico, pouco usual e acima de tudo, surpreendente.



2 - Paisagens negras
Caroline K nasceu em 1957 e fundou a banda inglesa de experimental Nocturnal Emissions. Em 1987 editou a solo um disco intitulado “Now wait for last year” acabando por ser o seu primeiro e único disco. Os temas são muito densos mas harmoniosos e com várias texturas que nos fazem viajar ora entre estar numa floresta à noite no inverno ou num quarto de apartamento, a ver as luzes dos outros andares, outras salas, luzes ora acesas, ora apagadas. Um dos temas mais marcantes do disco talvez seja “The Happening World” que durante vinte minutos nos arrasta num drone que tanto é minimalista como pleno, composto por camadas e camadas de electrónica que estimulam a imaginação e que são perfeitas para projectar memórias, vivências e ficções do nosso consciente ou mesmo subconsciente.



3 - Words swing and then they may slay
Laurie Anderson nasceu em 1947 e a sua criatividade abrangeu diversas áreas, não se limitando exclusivamente à música e tendo até inventado novas formas de gravação e instrumentos. Em 1982 editou o disco “Big Science” composto por 8 temas que são carregados de uma boa dose de electrónica acompanhada pela sua forma de cantar que mais parece spoken word ou em jeito de narração. Em “Born, never asked” o registo é narrativo até entrarem as batidas electrónica, o indispensável synth e a surpreendente entrada das cordas, afirmando-a como uma música que apesar de vanguarda e com queda para o experimental mantém uma certa dose de melodia que a torna bastante acessível e memorável, como é o caso de outros temas do disco tal como “From the air” e o mais conhecido “O superman”. É um disco que marcou a década de 80 com a tinta da inovação e da vanguarda continuando a ser acessível e susceptível de ser tocado em festas privadas.



4 - Ópera nos nove círculos
Diamanda Galás nasceu em 1955 e apesar de criar em várias áreas ficou mais conhecida pela sua carreira musical que iniciou em 1979 numa performance ao vivo e editando o primeiro disco em 1982. Um dos seus trabalhos mais conhecidos talvez seja “The divine punishment” editado em 1986 que faz parte de uma trilogia focada na doença HIV e na forma como os pacientes dessa doença foram estigmatizados e vilipendiados pela sociedade. Diamanda Galás sempre foi uma activista pelos direitos dos pacientes de HIV e em “The divine punishment” usa a sua voz de formas completamente únicas e que por vezes causam até angústia e algum terror, ora passando de um registo limpo e operático para o caótico gritar de uma autêntica banshee. Em 2000, trabalhou com o projecto Recoil do ex-Depeche Mode Alan Wilder, participando como vocalista e letrista do tema “Strange hours” que chegou a ser single e fazendo backup vocals noutras faixas. Participou nos trabalhos de vários músicos e manteve o seu lado activista sempre aceso ao mesmo tempo que produziu e produz criações em elevado número. A sua voz pode ao mesmo tempo abençoar, tranquilizar ou enlouquecer.



5 - O ouvido interior
Maryanne Amacher nasceu em 1938 nos Estados Unidos e dedicou-se desde cedo aos fenómenos da eletroacústica, diversas formas de captação e reprodução sonora e a algo que apelidou de “ilusões psicoacústicas”.  
Em 1999 foi editado “Sound Characters (making the third ear)” que se estende em temas com camadas ora mais psicadélicas, ora mais ruído branco e em que há uma alternância quase disforme de frequências. Não é de fácil escuta mas é fascinante para quem se interessa por fenómenos sonoros e convergência de texturas que a priori seriam totalmente díspares mas que alcançam uma certa uniformidade. Maryanne Amacher participou também em várias conferências sobre som, as suas propriedades e alcances ao nível técnico.



6 - A dinâmica vocal
Meredith Monk nasceu em 1942 e tornou-se uma artista multifacetada, tendo composto uma ópera em 1991. Meredith Monk dedicou-se exclusivamente a estudar e a aperfeiçoar o seu talento vocal, usando a voz como instrumento quase sacro, conhecendo as suas dinâmicas e desafiando as suas supostas limitações. Essas explorações ficaram registadas no disco de 1973 “Our lady of late” e no tema “Sigh” sobre um manto de tinido contínuo, Meredith Monk oferece talvez  as suas várias interpretações de um suspiro como o nome do tema indica. A procura da melodia ideal mas transitória pode encontrar-se no tema “Scared Song” do disco “Do you be” de 1987 em que Meredith Month acompanhada pelo som de um órgão melódico mas algo fúnebre faz a entrega da sua voz, mudando de timbre e de tom de forma fluída mas imprevisível apostando sempre na desconstrução. A sua música foi usada por alguns realizadores e continua a ser uma presença forte e activa no movimento de vanguarda tendo produzido um volume de trabalho bastante generoso.



7 - A atracção fatal da escuridão
Nicole Blackman nasceu em 1971 em NYC. Trabalha como vocalista e editou três chapbooks de poesia. Participou com Golden Palominos, KFDM, Recoil e abriu concertos para Placebo e Nick Cave. Desenvolveu um estilo em que mistura spoken word com canto e letras que desafiam tabus mostrando o lado apelativo e fascinante do que é proibido. Possuidora de uma voz tão atraente e fascinante que se quer tocar e acariciar como se se tratasse de uma peça de veludo, continua a fazer shows de spoken word. O requinte do lado sombra está patente no tema “Want” de Recoil (disco Liquid) em que Nicole Blackman nos diz que “I want to reach my hand into the dark and feel what reaches back” ou “I want to keep you alive so there’s always the possibility of murder…later.”  ou “I want the exact same thing but different.” ou “I want to swing with my eyes shut and see what I hit.” . Permanece uma poeta do que é proibido, fatal mas irresistível e ouvi-la é como estudar e analisar a anatomia do Desejo.



8 - Brooklyn magic
Shelley Hirsch nasceu a 1952 em Brooklyn, NY. Trabalhou nas suas capacidades vocais, alargando as suas potencialidades e compôs peças. Figurou em discos de John Zorn e o seu disco “O little town of East New York” foi editado pela Tzadik a editora de John Zorn. “Oh Death” pode ser considerado um dos seus temas mais inspirado, profundo e melódico mas sem tirar o pé da vanguarda. Vários géneros musicais perpassam pela sua voz sendo distorcidos de uma maneira única e inesquecível.



Conclusão
A voz como instrumento de combate, protesto ou como instrumento musical tecnicamente quase perfeito ajudam a criar composições e peças musicais que tanto podem fascinar como até assustar e criar sensações no ouvinte que vão desde o fascínio até à pura angústia. As letras como força condutora de desejos, aspirações e fantasias. Os ambientes electrónicos que suscitam viagens interiores, tudo isso foi feito e continuará a ser feito por mulheres criativas, destemidas e indiferentes a tabus.

“I wanna know how it will end
I wanna be sure of what it will cost
I wanna strangle the stars for all they promised me
I wa
nt you to call me on your drug phone
I wanna keep you alive
So there is always the possibility of murder later

I wanna be there when you learn the cost of desire
I want you to understand that my malevolence
Is just a way to win
I want the name of the ruiner

I want matches in case I have to suddenly burn
I want you to know that being kind is overrated
I wanna write my secret across your sky
I wanna watch you lose control
I wanna watch you lose

I wanna know exactly what it's gonna take
I wanna see you insert yourself into glory
I want your touches to scar me
So I'll know where you've been

I want you to watch when I go down in flames
I want a list of atrocities done in your name
I wanna reach my hand into the dark
And feel what reaches back

I wanna remember when my nightmares were clearer
I wanna be there when your hot black rage rips wide open
I wanna taste my own kind
I wanna be wrapped in cold wet sheets
To see if it's different on this side

I want you to come on strong
I wanna leave you out in the cold
I want the exact same thing, but different
I want some soft drugs, some soft, soft drugs
I wanna throw you, I want you to know I know

I wanna know if you read me
I wanna swing with my eyes shut and see what I hit
I wanna know just how much you hate me
So I can predict what you'll do

I want you to know the wounds are self inflicted
I want a controlling interest
I wanna be somewhere beautiful when I die

I wanna be your secret hater
I wanna stop destroying you but I can't
And I want and I want and I want
And I will always be hungry

And I want and I want and I want


Nicole Blackman / Alan Wilder


TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE