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Montagem: Priscilla Fontoura |
Montagem: Priscilla Fontoura
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Texto: Priscilla Fontoura | Imagens e Vídeos com recurso a telemóvel: Emanuel R. Marques | Concerto: Casa Comum
Os géneros musicais chegam ao desgaste quando explorados em demasia. Deve acontecer com quase todos, quando a repetição começa a prevalecer ...
Heavy Ocean: três vozes no mesmo oceano
Os géneros musicais chegam ao desgaste quando explorados em demasia. Deve acontecer com quase todos, quando a repetição começa a prevalecer em detrimento da novidade. E fica difícil superar os pioneiros e todas as bandas que representam esses modelos. No entanto, há sempre uma variável opositora a tudo isto: o vento capaz de alterar a altura das ondas do mar.
Distribuído em seis temas, o álbum dos portugueses Heavy Ocean "H/O", lançado em Agosto de 2021, é um cartão de visita impactante que visualmente poderia ser ilustrado com o mar furioso da Nazaré e uma onda da dimensão de Kanagawa, pintada por Hokusai. O trio composto por Ricardo Vasconcelos, a quem se deve a autoria do design, Tiago "JAYMZ" Oliveira (Lhabya) e Hakän Säs Hipolitür tanto cabe no ambiente heavy-metal mais cerrado como no mais ecléctico.
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Heavy Ocean |
- Os Heavy Ocean não são recentes nisto de ter bandas, pois não? Como se dá a reunião? Sei que por alguns anos eram um duo e depois juntou-se o baixista num encontro acidental no Stop.
Hakän - Não é a nossa primeira experiência com bandas, mas tirando o Tiago que já tem uns anos disto, para os restantes, Heavy Ocean é o seu primeiro projecto a sair da sala de ensaio de forma mais séria.
O projecto nasceu em 2016 quando o Tiago propôs a ideia ao Ricardo de comporem algo diferente do que até então tinham feito em outras bandas. Inicialmente a ideia seria serem apenas os dois, só guitarra e bateria, mas à medida que iam compondo, foram sentindo falta de algo mais para complementar. Paralelamente a isto, eu ensaiava perto da primeira sala de ensaio de Heavy Ocean e gostava de ficar por perto a ouvir o som que “fugia” das paredes. Quando soube que o Tiago (que já conhecia de outras guerras) era um dos membros do projecto, e que ainda não tinham baixista, propus-me a uma audição. Foi já com os três que surgiu o nome Heavy Ocean.
- Lembro-me do Tiago, mas não na bateria. Olá Tiago, já não nos falamos há muito e, já agora, parabéns, noto que colocas um dedo criativo na bateria, por exemplo, a “Pale Horse” tem detalhes interessantes, e não a utilizas apenas como instrumento de acompanhamento. Davas voz aos Lhabya nos idos anos 2000, e sei que tiveste um problema nas cordas vocais, o que acabou por fragilizar a tua continuidade na banda. Já tocavas bateria desde aí ou foi um instrumento que foste tendo interesse mais tarde?
Tiago - Olá Priscilla! Antes de mais obrigado pela entrevista e pelas palavras. É verdade, já nos conhecemos há tantos anos e voltamos a encontrar-nos novamente graças à primeira arte. A bateria foi a primeira paixão, desde que tinha malta da terrinha com bandas de baile que ficava vidrado a olhar para aquele "monstro" e cheio de vontade de lhe dar porrada. Até que um dia o guitarrista dessa mesma banda me deu essa oportunidade na sala de ensaio deles e, assim que me sentei, fiquei agarrado de tal forma, que a hora que lá estive passou em 8 segundos, como acontece agora nos concertos. Ahahah! Pode-se dizer que foi amor à primeira pancada. Curiosamente tenho uma composição escrita por mim em '91, antes desse episódio, em que me pediram para dizer o que queria ser quando fosse grande, na qual afirmei, com toda a convicção de um puto de 9 anos, que queria ser músico e que o instrumento que queria tocar era a bateria. Pois bem, passados 33 anos, esse sentimento está bem vivo e neste momento já não dá para suportar as agruras da vida adulta sem música, tocada, ouvida e principalmente sentida. E, na realidade, ainda sou esse puto, que toca com o coração na boca, com a intensidade que sente a música, e se calhar isso é que te fez perceber que sim, a bateria em Heavy Ocean nunca será só acompanhamento, mas sim uma terceira "voz", que se tiver que sair da forma tradicional de seguir o baixo sai, se for isso que a música pede. Porque no final, se lhe fizermos a vontade, ela indica-nos o caminho e depois é, como referi, seguir o coração, pois existe um motivo para ele ser o nosso único orgão ritmado e percurssivo.
- Assisto a algumas bandas que foram bastante enérgicas nessa altura e, por força de várias razões, descontinuaram essa actividade. Mas agora sentem uma tremenda vontade em reaparecer. Qual a razão que apontam?
Tiago - Penso que na altura era muito mais amor à camisola, um sentimento de paixão genuína pela arte, sempre numa tentativa de imitar os nosso ídolos, mas tudo de uma forma muito rudimentar. Recordo que era a altura ainda muito inicial da internet, não havia todas estes meios de comunicação na net, não havia redes sociais, ou pelo menos nos moldes actuais, em que num segundo conseguimos falar com um músico ou produtor do outro lado do mundo. Era muito mais ir a concertos, conhecer a malta, como te conheci a ti, quando foste tocar aqui perto da minha terra, e depois tentar tocar juntos, onde nos deixassem, muitas vezes quase a pagar para tocar. Hoje em dia as bandas começam logo com condições para chegar rapidamente a um ponto que a nós levava anos. Basta comparares as nossas gravações em K7, ou quem tinha mais posses em Mini Disk, onde ouvíamos mais tudo o resto que a música propriamente dita. Hoje, um computador mais uma placa de som e fazes um álbum inteiro sozinho, no quarto. E se calhar, essa facilidade está a atrair a malta antiga para a música outra vez. Espero que estejas incluída nessa malta e a pensar na reunião daquela tua banda incrível que eu tanto gostava e que nos levou a conhecer-nos e a manter esta amizade até aos dias de hoje.
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Tiago "JAYMZ" Oliveira |
Gostamos da liberdade de interpretação que não ter voz dá às nossas músicas e até mesmo liberdade artística. Começa a acontecer várias vezes vermos as pessoas a vocalizar as nossas músicas durante os concertos, tem sido um efeito secundário interessante e com o qual não contávamos.
- Parece-me que, apesar de não serem mais uns miúdos, há uma certa ingenuidade que perdura. O que pretendem com esta reunião a três? Ainda acreditam que é possível em Portugal, para quem já andou nestas lides, sabe perfeitamente que é um percurso ingrato...
Hakän - A música em todas as suas formas sempre foi algo importante na nossa vida, de uma forma ou outra, com mais ou menos força, sempre fomos alimentando este desejo de, acima de tudo, fazer música. O percurso é ingrato e difícil, mas o prazer de pisar um palco e ver as pessoas a dançarem e a sentirem música feita por ti, é um sentimento arrebatador e que dá ânimo para continuar a lutar.
- Embora não estejam presentes cordas vocais em H/O, não sinto que haja necessidade. Mas não têm medo de cair no cliché do género, uma vez que o post-rock e o post metal pendem, em grande parte, para o instrumental?
Hakän - Não temos esse medo, até porque existem muitas bandas do género que optam por ter voz. Gostamos da liberdade de interpretação que não ter voz dá às nossas músicas e até mesmo liberdade artística. Começa a acontecer várias vezes vermos as pessoas a vocalizar as nossas músicas durante os concertos, tem sido um “efeito secundário” interessante e com o qual não contávamos.
- Como foi desenhado o conceito para este trabalho e como se deu o processo de composição?
Hakän - Actualmente o processo de composição parte, na sua grande maioria, de ideias que o Ricardo nos traz e depois vamos trabalhando os três. No álbum, exceptuando a Numb que já foi composta com a formação completa, este processo foi feito entre o Tiago e o Ricardo. Quando se juntou o baixo foi preciso encontrar espaço para este fazer sentido de forma orgânica em músicas que foram pensadas para apenas dois instrumentos.
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Ricardo Vasconcelos |
Sim, há muito que voltámos as costas ao mar, mais facilmente procuramos atenção, apoio e validação da Europa, do que arriscamos ser grandes atirando-nos para um mar desconhecido. Apesar desta realidade, cremos haver uma nova geração pronta a arriscar, inovar mas tendo em conta a nossa cultura e portugalidade.
- Como tem sido a resposta ao vosso trabalho?
Hakän - A aceitação do álbum tem sido bastante positiva, principalmente no Spotify, onde temos números bastante interessantes para uma banda da nossa dimensão. Em termos domésticos o feedback também é muito positivo, felizmente quem decide dar uns minutos do seu tempo para nos ouvir acaba por dar o tempo por bem gasto.
- Eu vejo o álbum como uma representação das fases do mar. O tema introdutório: a maré que se vai enchendo, os quatro temas: o mar turbulento acompanhado de ventos fortes e “Solace” a maré baixa. Portugal tem uma forte ligação ao mar, mas cada vez mais parece que lhe vira costas para centrar-se nas tendências europeias. Wim Wenders, em entrevista à Antena 1, declara, em 2019, no âmbito da relação que tem com Lisboa: “Lisboa era uma cidade tão diferente, julgo que captámos o último vislumbre de uma cidade que, entretanto, desapareceu. Foi uma sorte ter feito o filme em ’94, e não em ‘96, ou ‘97, porque acho que já não apanhávamos esse vislumbre - o vislumbre de uma cidade antiga que começa a contactar com a modernidade do séc. XX. Agora, a cidade está claramente no séc. XXI, aberta à Europa e de diferentes maneiras, é semelhante a outras cidades do continente, mas na altura não era assim.”. Acrescenta que “a Lisboa que encontrávamos em ‘94 foi a cidade que viveu a Revolução, que ainda guardava traços colonialistas dentro de si, ainda vivia separada do resto da Europa, por esse grande país chamado Espanha, e Lisboa, sentia eu de uma forma muito marcada na altura, era uma cidade que se derramava para o mar, estava virada para o mar, mais do que para as fronteiras terrestres. E agora, quando regresso, sinto o contrário, é uma cidade que contempla a Europa, é como se tivesse virado as costas ao mar, essa mudança aconteceu, entretanto, e é algo de muito significativo, uma cidade virar-se para o outro lado.”. A cidade aqui, pode representar o país. Concordam com a opinião do realizador?
Hakän - Sim, há muito que voltámos as costas ao mar, mais facilmente procuramos atenção, apoio e validação da Europa, do que arriscamos ser grandes atirando-nos para um mar desconhecido. Apesar desta realidade, cremos haver uma nova geração pronta a arriscar, inovar mas tendo em conta a nossa cultura e portugalidade.
- Se falarmos de mar furioso, Nazaré surge de imediato. Nunca pensaram filmar um vídeo que possa ilustrar o vosso som? E por que não vídeos para acompanharem os vossos concertos?
Hakän - Actualmente temos um videoclip para a Numb e um visualizer para a Ten Ton Heart, temos ideias para mais vídeos, mas a dimensão das músicas e a nossa exigência guiam-nos para um tipo de trabalho que até ao momento não pudemos fazer (é preciso priorizar os investimentos). O aspecto visual e cénico nos concertos também é algo em que estamos a trabalhar, mas temos de ser práticos, agora a prioridade passa por dar a conhecer Heavy Ocean ao maior número de pessoas possíveis, para que nos queiram ver ao vivo.
- Como olham para o cenário de bandas do tipo em Portugal? Vêem união?
Hakän - Temos tentado encontrar bandas do género para tocarmos juntos, e já temos alguns nomes apontados. No final do ano passado tivemos um experiência muito bonita com os Icosandria, em que nos juntámos para um evento intimista promovido pela duas bandas e que resultou muito bem.
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Hakän Säs Hipolitür |
- Sei que tu, Hakän, estás envolvido em "conservar" alguns nomes associados ao Stop, uma vez que o seu legado tem sido negligenciado. Como tem sido a resposta das bandas quando pedes para participarem nesse levantamento? E como os Heavy Ocean, uma vez que lá ensaiam, olham para o futuro do Stop?
Hakän - Sim, tenho andando, na medida que o meu tempo me permite, a recolher testemunhos de pessoas que vivem ou viveram o C.C.Stop, não só músicos. A resposta das pessoas é sempre positiva, se bem que a proactividade já é mais reduzida, em grande parte motivada por anos e anos de total ausência de resultados. Enquanto banda, olhamos para esta situação com muitas reservas, o Stop é muito importante para nós e para a comunidade aqui ali se formou, esperamos que tudo se resolva da melhor forma e que possamos continuar a fazer música lá.
- Não acham que está a faltar aos H/O mais visibilidade noutros circuitos aqui deste país?
Hakän - Claro que sim, é a parte mais frustrante disto tudo, temos sempre um bom feedback sobre o nosso trabalho, mas é difícil chegar aos “sítios”. É claro que em grande medida a culpa é nossa, uma vez que a “vida de adulto” nos condiciona muito o tempo para dedicar a contactos e divulgação.
- O que têm planeado para o futuro?
Hakän - O plano é simples, divulgar a banda, dar concertos e compor novas músicas.
Entrevista: Priscilla Fontoura
Imagens: H/O
Créditos das Imagens: Seven Concept Media
Esta entrevista não foi escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico.
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Álbum "Self Portrait", de Bob Dylan |
Bob Dylan é um nome que dificilmente escapa a alguém que ouça folk, e é um ícone global cuja projecção foi reforçada em 2016 por ter sido laureado com o prémio nobel da Literatura graças à criação de novas expressões poéticas na tradição da música americana. De facto, Bob Dylan é um nome incontornável para a cultura americana. A sua influência como cantor e compositor fez nascer outros autores de referência dentro e fora do revivalismo folk e a sua carreira dura ao longo de cinco décadas. Escreveu cerca de duas dúzias de canções de orientação política, que refletiam a mudança da geração baby-boom do pós-guerra e o apelo a movimentos dos direitos civis e anti-guerra.
Temas como "Blowin' in the Wind", "Knockin' On Heaven's Door" e "Like a Rolling Stone" estão consolidados na cultura pop. A par da música e poesia em que se sente a promoção de paz e justiça, também acresce ao autor o estatuto de cineasta e artista visual. O seu trabalho tem sido aclamado pelo imenso talento plasmado nas suas obras. No âmbito da sua exposição "Mood Swings", na galeria de arte Halcyon, em Londres, Bob Dylan afirma o seguinte:
"Estive cercado de ferro toda a minha vida, desde criança. Nasci e cresci no país do minério de ferro onde podia respirar e cheirá-lo todos os dias. Portanto, sempre trabalhei com esse material de uma forma ou de outra. Portões atraem-me por causa do espaço negativo que têm. Podem ser fechados, mas ao mesmo tempo permitem que as estações e as brisas entrem e fluam. Os portões podem prender ou excluir. De certa forma, não há diferença."
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Bob Dylan no estúdio, imagem de John Shearer |
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Bob Dylan, "Double Gate I", 2020 © Bob Dylan |
Bob Dylan é versátil e reúne valências nas práticas artísticas que lhe permitem de ir a um ponto a outro sem demonstrar qualquer dificuldade. Em 1966, a voz de Dylan era ouvida do Ocidente ao Oriente. Nesse mesmo ano, no Verão de 29 de Junho, é vítima de um acidente de viação no interior de Nova Iorque. Ainda hoje, tal acontecimento é assinalado como misterioso e cuja disseminação se deu quando foi reportado no New York Times; no entanto, não existe nenhum registo oficial da polícia sobre o acidente. Foi nessa altura que Dylan começou a pegar no lápis e a dedicar-se ao desenho mostrando interesse pelas artes visuais.
A primeira vez que apresentou o seu traço ao mundo foi em 1968, no álbum "Big Pink" da banda The Band, produzido por John Simon. A banda improvisou e gravou com Bob Dylan várias versões do músico folk no porão de uma casa conhecida como "Big Pink" pela sua fachada cor de rosa, em West Saugerties, em Nova Iorque. Após meio século, o Museu de Arte Patricia & Phillip Frost, em Miami, reuniu cerca de 200 obras do artista. À coleção "Retrospectrum" incluem-se desenhos, pinturas, esculturas de ferro e arte efémera, mas também a sua mais recente "Deep Focus" que retrata em pintura cenas de filmes.
O autor faz uma auto-reflexão sobre a sua arte:
"Eu realmente não a associo a nenhum tempo, lugar ou estado de espírito em particular, mas vejo-a como parte de um longo arco; uma continuação da maneira como avançamos no mundo e a maneira como as nossas percepções são moldadas e alteradas pela vida."
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Bob Dylan, "Shelter from the Storm", 2020. Carta e desenho de Bob Dylan. © Bob Dylan |
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Bob Dylan, "Blue Swallow". © Bob Dylan, Retrospectrum. |
As suas obras foram exibidas pela primeira vez em 2007 na Alemanha, e a estreia de "Retrospectrum" teve lugar no Museu de Xangai em 2019. A arte de Dylan é marcada pelo seu olhar agudo e configura-se pelo tom universal. Tudo o que faz não é determinado pelo tempo nem pelo lugar, tanto as letras que escreve, as canções que compõe e os quadros que pinta.
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Bob Dylan, "Eat Harlem Elevated", 2020. © Bob Dylan |
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Bob Dylan, "Sunset, Monument Valley", Tríptico, 2019. © Bob Dylan |
Imagens: Bob Dylan
Montagem: Priscilla Fontoura
Do Porto a Braga, são os Sereias o motivo que nos leva à Roma portuguesa, à cidade de António Pedro Ribeiro e da sua mãe. Com o pé no acele...
O canto dos Sereias não é para um público adormecido. Disco homónimo apresentado no Theatro Circo

Do Porto a Braga, são os Sereias o motivo que nos leva à Roma portuguesa, à cidade de António Pedro Ribeiro e da sua mãe. Com o pé no acelerador, tenta-se cumprir a lei, mas, também, chegar a tempo do concerto. Sair do tédio, após a semana de trabalho, é a agenda. Há uma porta que separa o auditório pequeno do corredor de um dos andares subterrâneos do Theatro Circo.
Todo o imaginário acontece nas nossas mentes permeado pelas letras vociferadas pelo vocalista de Sereias e pelos instrumentos que acompanham o cenário dantesco que nos leva ao inferno de Bosch. Nunca se transita para o purgatório ou para o paraíso. APR representa, aqui, a voz da revolta e da consciência sobre o estado de um país em queda moral e ética, que se reflete nas notícias que nos são transmitidas em loop: a TAP, o Governo, a dona de casa que vai presa porque em desespero mata o marido que a tortura à paulada todos os dias, o senhor que nunca consegue a reforma antecipada com desculpas esfarrapadas mascaradas de decretos-lei comunicadas pela Segurança Social.
Os Sereias lembram a reunião de tipos outsider que andaram numa escola artística e juntaram-se para a catarse. Já que as cartas registadas à Assembleia não têm resposta, que seja o microfone e a amplificação a ecoar toda a corrosão de estados de alma. Todos os Sereias transmitem tanto visual como musicalmente o estado de um país, da cultura à ciência, da economia ao direito, a caminhar para o abismo. Todos os dias lê-se desinformação vinda dos média, dos tipos amorais que apontam o dedo, que nos dão fake news, cometem plágio, são até agressores que falam de violência doméstica e p# da TV que instrumentalizam o feminismo, sendo as primeiras a praticar bullying contra as mulheres e pactuam com os opressores.
Precisamos destes Sereias frente à Assembleia da República a representar o povo inerte à constante hipocrisia perpetrada pelos governantes deste país e seus empresários, e a dar uma abanão aos políticos correctos que fazem música. Este país que mais parece um poço defecado pelo diabo educa uma sociedade zombificada. Os Sereias nadam no fundo do mar à espera da erupção de um vulcão adormecido que dá sinais pelos seus tremores de terra. O canto dos Sereias não chegou a todos os ouvidos durante o concerto de ontem. Uma sala bem composta mas um público um tanto adormecido e pouco reactivo.
Só há uma afirmação de APR com a qual não posso concordar, o mal não é o dinheiro, são as pessoas. Quando se acabam as folhas, terá o poeta APR algo mais a dizer?
Esperamos que sim!
Texto: Priscilla Fontoura
Imagem: Sandra Correia, telemóvel
Concerto: Theatro Circo - Pequeno Auditório, Sereias, 20 de Janeiro, 2023
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Acordes de Quinta - Música para ver e ouvir