“My soul is chaos, how can it be at all? There is everything in me: search and you will find out ... in me anything is possible, for I am h...

O ABISMO TEM SOM: Sludge, melancolia corrosiva e a beleza da distorção

“My soul is chaos, how can it be at all? There is everything in me: search and you will find out ... in me anything is possible, for I am he who at the supreme moment, in front of absolute nothingness, will laugh.” 

Palavras-chave: Sludge, atmosférico, doom

Resumo
Há música que nasce de um profundo descontentamento existencial, de uma melancolia que não se deixa ficar quieta a um canto mas que reclama o seu espaço seja através de letras cáusticas e zangadas, ritmos que ilustram a angústia interior ou  bateria que invoca o caos de almas eternas mas coléricas. O abismo faz som.

1 - Introdução a Acid Bath
Existe um trilho pouco explorado na floresta e dois caminhantes exploram-no. Há pegadas impressas na lama próxima do pântano e chapéus de palha com crostas de sangue na beira da água lamacenta. Persistem imagens de romance e frases rugidas por mero existencialismo “primal” e animal. Canoas a vogar pelas águas inconscientes dos perigos submarinos. Há uma banda que apesar de agora extinta, evocou e evoca imagens de desolação passional, existência nos lados mais negros da existência e com um rosto ainda que sangrento mas puro se permite a indagar se há lugar para atravessar os portões do reino celestial. É assim com Acid Bath. Banda formada em 1991 que editou apenas dois discos: “When the Kite Strings Pop” (1994) e “Paegan Terrorism Tactics” (1996) sendo que após a dissolução da banda, o vocalista Dax Riggs prosseguiu o seu caminho numa profícua carreira a solo. “When the kite strings pop” é um disco que  reúne quatorze temas que valem cada um por si, com lirismo que é de outro mundo e uma mistura única de sludge, grunge e stoner rock. “Paegan Terrorism Tactics” segue a mesma linha e oferece doze temas de qualidade inesquecível. Dax Riggs para além da sua carreira a solo, formou Agents of Oblivion que fez uma cover acústica maravilhosa do clássico “Cosmic Dancer” de T-Rex. Acid Bath e o seu mentor Dax Riggs são uma paisagem romântica pintada a tinta da china, aparentemente inocente e idílica mas com laivos sangrentos, até porque as capas dos seus discos são ilustrações do serial killer John Gacy. Romântico mas com o seu quê de violento e trágico.



2 - Angústia ao primeiro sopro
Today is the Day é uma banda que tem Steve Austin como seu front-man, um autêntico Johnny cash do sludge. Começaram em 1992 e editaram dez discos de originais. O som de base é um crossover entre sludge e noise rock havendo espaço para explorações de outros géneros ao longo dos discos que foram criando. As letras e vocalizações são dois dos pontos fortes que os distinguem, sendo que a lírica é quase sempre negra, pouco optimista e por vezes um pouco misantropa mas sem nunca cair na insensibilidade ou na apatia pela condição humana, algo que é bastante importante para a banda, especialmente em “Sadness will Prevail” editado em 2002, onde temas carregados de raiva, agressividade e profunda desolação são explorados em cerca de duas horas de música intensa e que mexe com os sentimentos de uma forma magistral. Num disco anterior, “The temple of the Morning Star”, editado em 1997, a banda descarrega no ouvinte uma carga de niilismo enfurecido e trágico, como se sente no tema acústico com o mesmo nome do disco, onde Steve Austin canta a sós com a sua guitarra. “I can’t be what you want me to be, I am dead.” Recheados de uma forte dose de agressividade mas uma visão peculiar e honesta sobre a condição humana, Today is The day continua a ser uma banda fiel às suas raízes e sem medo de explorar novos territórios sonoros.


3 - Eternamente zangados
Unsane formou-se em 1988 e editou oito discos de originais. O som é uma mistura de noise rock com um pouco de sludge e algumas influências fortes de punk hardcore. O seu primeiro disco gerou uma certa polémica devido à sua capa que mostra sem censuras um corpo decapitado numa linha de comboio. Essa abordagem visceral e sem filtros é também patente nos doze temas que compõe o disco. É noise rock puro sem constrições e com letras que roçam uma determinada inclinação niilista. Em “Scattered, Smothered & Covered” existe uma forte influência punk hardcore e riffs que criam caminhos por si só mais rockeiros e sempre sem grandes compromissos. É uma banda que se tornou bastante influente no meio do noise rock e que não teve problemas em usar de outras influências para compor o seu som. 


4 - Angústia doom
EyeHateGod é uma banda americana formada em 1980 que em 1992 lançou o LP “In the Name of Suffering” recheado de temas bastante sludgy com toques de doom. Os riffs são pesadões e demolidores e as vocalizações únicas e angustiadas. No disco “Take as Needed for Pain” editado em 1993 recebeu uma grande aceitação por parte do público. Eyehategod continua a sua caminhada pelos trilhos tortuosos do sludge e explorando o seu lado mais doom e arrastado. As letras continuam no seu registo visceral e abertamente descontente com a condição humana abordando temas mais negros como o vício em drogas e outras temáticas difíceis. A esse disco seguiu-se “Dopesick”, editado em 1996, que também registou uma grande legião de seguidores e que reforçou o seu som distinto, zangado e angustiado.


5 - Groove da desolação
Crowbar é uma banda norte-americana que se formou na década de 90 e que misturou com mestria sludge com tendências doom, seguindo de certa forma uma inclinação groove com vocalizações bidimensionais e interessantes. Os riffs são musculados e poderosos, evocativos de paisagens pantanosas e dos monstros que por lá habitam. O seu primeiro disco “Obedience thru Suffering” editado em 1991 apresenta uma sonoridade sludge mas fortemente influenciada por doom. Continuaram a editar discos e em 1999 com “Odd fellows Rest” incorporaram também uma certa componente stoner, produzindo um álbum bastante melódico e tecnicamente rico em riffs. Uma banda que dá vontade de pedir umas garrafas de cerveja e abri-las com os dentes.


6 - Almirantes do descontentamento
A ajuizar pelo artwork da capa, o nome da banda e do disco, espera-se uma banda talvez bem humorada, tecnicamente rica mas algo optimista. Bem, não é o que acontece. Admiral Angry é uma banda que pratica um sludge extremamente lento e arrastado com vocalizões num pitch mais alto quase berradas, sendo que é um pouco complicado discernir as líricas mas lendo-as sabemos que se trata de uma banda zangada, intempestiva e agressiva. Lançaram o disco “Buster” em 2008 e são visíveis as suas influências de post-hardcore, aliadas a um sludge demolidor. Há temas que se destacam tais como “Kill Yourself” e “Bug Vomit” mas todos os temas do disco são absolutamente demolidores e pesadões.


7 - Derrubando paredes
Black Sheep Wall é uma banda formada em 2007 nos USA que mistura sludge com post-hardcore e com vocalizações ora limpas ora berradas reminiscentes de algumas influências screamo. O som é pesado e por vezes repete riffs sem misericórdia, intercalados com algumas passagens de spoken word. Em 2008 editaram “I am God Songs”, dando umas grandes braçadas à frente em termos de género, oferecendo uma frescura e originalidade a um género que tende a repetir-se um pouco e a seguir certas fórmulas. Foi em 2015 que editaram “I am going to Kill Myself” com uma capa cujo artwork tanto é inesquecível como intrigante e talvez um pouco irónica tendo em conta o nome do disco e as músicas que o compõe. Neste disco optaram por temas mais longos e por uma abordagem um pouco mais screamo com passagens que são praticamente faladas ao invés de cantadas e instrumentais de guitarra mais ponderados e que acompanham as letras desesperadas e encolerizadas.  De salientar, a variedade e autenticidade das vocalizações e das passagens de acústico a distorcido. Uma banda que tanto tem de contemplativo como de irascível.


8 - Das profundezas
Noothgrush é uma banda norte-americana que funde com mestria sludge metal com doom. Editaram pela primeira vez em 1995 um álbum intitulado “8D8” e em 1999 “Erode the Person” que seria considerado o seu magnum opus. Trata-se de temas furiosos mas arrastados e lentos que se compões de riffs doomy e vocalizações zangadas e angustiadas. As líricas são também em grande parte reflexo das melodias pesadas como aço. Toda a alegria é substituída por alguma depressão e descontentamento. É assim Noothgrush.


9 - Heavy weight
Grief é uma banda oriunda de Boston e formada em 1991 que pratica um sludge metal bastante lento mas maciço e com influências fortes de doom. A lentidão é devastadora e arrasa em cada riff. As letras são pessimistas e lidam com o lado mais negro das emoções humanas. Não é talvez um álbum que nos faça mais felizes mas torna-nos de certa forma mais conscientes. A dor pode curar ou sarar feridas antigas.


10 - Atmosfera aparentemente tranquila
Fall of Efrafa nasceu em UK em 2005 e infelizmente terminou prematuramente em 2009. Mas felizmente, durante esse tempo conseguiu editar três discos de longa duração. O primeiro intitulado “Owsla” foi editado em 2006. É um trabalho de grande atmosfera, com nuances fortes de crust e um poderoso sentido sludge. O trabalho de bateria é impressionante, assim como os riffs que são inventivos e melódicos e as vocalizações são desesperadas mas sem perder o sentido de melodia. Depois de “Owsla”, editaram “Elil” em 2007 e “Inlé” em 2009. Uma trilogia de sludge atmosférico que invoca alguma melancolia mas que oferece ao ouvinte um dinamismo e uma complexidade de composições que por vezes é difícil encontrar no género.


11 - Eterno descontentamento
Breach formou-se na Suécia em 1993 e editou quatro álbuns. Um dos seus álbuns mais bem recebidos foi “It’s me God” editado em 1997 que reflecte uma boa fusão de post-hardcore com sludge. Alguns momentos recordam Converge mas em versão um pouco mais lenta e com vocalizações ainda mais angustiadas. Para aqueles dias em que apenas um álbum algo noisy pode fazer render o dia.


12 - I drink my Gin
Cobalt formou-se em 2000 nos EUA. Editou “Gin” em 2009 que fascina tanto pelo artwork da capa (figurando um Ernest Hemingway em novo) como pelos temas que o compõe. Afixar-lhe um género talvez seja um pouco redutor porque bebe de várias fontes e as suas influências são vastas mas a força imperial do USBM está presente, assim como bocados de sludge atmosférico e mesmo sludge puro e duro. “Gin” é um disco que merece ser ouvido mais do que uma vez, talvez umas mil por ser constituído de uma infinita riqueza. I drink my Gin!


13 - Sludge germânico
Mantar é um duo alemão que se formou em 2012 e editou dois discos. “Death by Burning” em 2014 e “Ode to the Flame” em 2016. Apesar de dispensar o uso do baixo, Mantar mantém um som demolidor e assertivo. Sluge puro e cru com algumas influências stoner. Riffs que ficam no ouvido e uma bateria consistente e criativa que nos faz abanar a cabeça num dia mais cinzento ou soalheiro, não importa, a consistência do seu som acompanha-nos em qualquer meteorologia.


Conclusão
O abismo faz e continuará a fazer som. Muitas bandas compõem a cena sludge imiscuindo o género com outras influências, tornando-o mais rico e complexo. Bandas inovadoras que apesar de fiéis às suas raízes não deixam de procurar novos territórios por explorar.
 
“Let the blackness roll on
Mother's cool reptilian womb
Ain't so cold tonight
My fingers trace the exit wounds
by graveyard light
There's bone dust in my throat and everything is DEAD
but it's all right
Take it easy
You bleed so easy
Bleed me an ocean
Bleed me an ocean tonight
By electric graveyard light
Bleed me an ocean
Let me lie beneath the sky
Teach me how to die
Bleed me an ocean
As the blossom eats the butterfly
Can you feel the cold death
That rides along your spine
Let the blackness roll on
You bleed so easy
Let the blackness roll on
I was sexless in clouds again
I was chasing a cold, cold wind
I've become bored with flesh and bone again
The deepest alone
I was riding the turbulence
an ocean of Hades
it's all downhill from here
on the outer nowhere
Let the blackness roll on
You bleed so easy
Let the blackness roll on
I was stoned to the drone
of the blackness that hums
I've become bored with flesh and bone again
The endless hum of the highway drone
I was riding the turbulence
an ocean of Hades
The taste of dead sex on my tongue
On my tongue, yeah
Let the blackness roll on
You bleed so easy
let the blackness roll on
You bleed so easy
Just like a rain drop
I was born baby to fall
and scale these prison walls
It was over before you were born
Sucked into the vacuum of this universal tomb
It was over before you were born
Sucked into the vacuum of this universal tomb
Old blossom dies
Like a young man breathes
The insects hum with their hunger and grieve
An icon of pale bone
Static white dream
Blind in the wilderness
Everybody scream
I couldn't find my way
Out the door
We all died
Woke up on the floor
I ride the painted whore
She gives good universal scream, scream
I ride the painted whore
She gives good universal scream, scream
I ride the painted whore
She gives good universal scream, scream
I ride the painted whore
She gives good universal scream, scream”
Acid Bath – Bleed me an ocean

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE