29 -   It Follows, Disasterpeace (2014) It Follows realizado por David Robert Mitchell é um dos filmes mais originais de terror d...

BANDAS SONORAS EM FILMES DE TERROR: o som do medo (quarta parte)

29 -  It Follows, Disasterpeace (2014)


It Follows realizado por David Robert Mitchell é um dos filmes mais originais de terror dos últimos tempos. A narrativa foca-se em Jay (interpretada por Maika Monroe), uma jovem que se envolve sexualmente com um rapaz que mais tarde lhe diz que lhe transmitiu uma entidade malévola que a vai perseguir até a matar. Esta entidade ou maldição é passada através de relações sexuais e Jay começa a ficar cada vez mais paranóica, sendo que os próprios amigos não acreditam que ela esteja amaldiçoada, até que claro, coisas estranhas começam a acontecer. A cinematografia é refrescante e original dando uma qualidade bastante onírica ao filme. Essa originalidade também está presente nos dezoito temas da banda sonora composta por Disasterpeace. O tema principal tanto tem de belo como de aterrador e na boa linha de John Carpenter o uso de sintetizadores é uma prerrogativa. É uma banda sonora fascinante que consegue traduzir a tensão, medo e ansiedade presentes no filme. Consegue ouvir-se independentemente do filme, sendo que é um clássico para fãs de música eléctronica com recurso a sintetizadores.

30 - El Orfanato (The Orphanage), Fernando Velázquez (2007)


El Orfanato é um filme realizado por J.A Bayona e a sua estreia nas longas-metragens.  O filme conta a história de Laura (interpretada por Belen Rueda) que decide voltar à casa onde viveu a infância e abrir um orfanato. Os problemas começam quando o seu filho começa a ter comportamentos um pouco sinistros e a falar dos seus amigos imaginários, que se calhar, não são tão imaginários quanto isso. O filme não se baseia em gore ou violência gráfica de qualquer espécie, mas através de intriga através da narrativa, o elemento mistério e o uso adequado e certeiro do suspense. A banda sonora composta por Fernando Velázquez é elegante, misteriosa e acima de tudo, bela. As composições podem ser ouvidas independentemente do filme e acarretam uma atmosfera de ameaça constante imiscuída com momentos de calma e beleza. Esta ameaça é sentida muito profundamente no tema “Un día de Fiesta”. São composições que dão uma outra envergadura a um filme já de si bastante sofisticado e gracioso.

31 – Kairo (Pulse), Takefumi Haketa (2001)


Pulse é um filme realizado por Kiyoshi Kurosawa que funde o género de terror psicológico com o pós-apocalíptico de uma forma magistral. Nesta narrativa, o mundo dos espíritos infiltrou-se na realidade através da internet e da tecnologia. O mundo fica invadido por fantasmas e a cinematografia do filme ajuda a recriar uma atmosfera de melancolia e solidão. A banda sonora composta por Takefumi Haketa consegue traduzir na perfeição um ambiente estéril, assustador e profundamente desolador. Há o uso de cores femininos cristalinos que se infiltram numa malha de música pulsante, atmosférica e que tem o seu quê de melancólico e assustador. Um dos filmes mais marcantes do terror japonês dos últimos tempos e que conta com uma banda sonora que ajuda a fortalecer todo o mood do filme.

32 - Possession, Andrzej Korzynski (1981)


Possession é um filme de terror psicológico com inclinações de art-house realizado por Andrzej Zulawski. Neste filme, Isabelle Adjani e Sam Neill interpretam um casal que está com dificuldades graves no seu matrimónio. Problemas esses agravados pelo facto da personagem interpretada por Adjani manter uma relação extra-conjugal com uma criatura reminiscente de trabalhos de H.P Lovecraft. O filme tem grandes influências surrealistas e consegue criar uma sensação de desconforto permanente ao espectador. A banda sonora composta por Andrzej Korzynski é feita de uma electrónica de batidas em drum machines com uma forte componente de sintetizadores que ajudam a recriar a atmosfera desconfortável e perturbante do filme. O uso do piano também evoca alguma da melancolia que se vê no filme e que provém de um casamento falhado. É um filme que entrou no circuito dos festivais de prestígio e conseguiu arrecadar o prémio de melhor actriz no festival e Cannes. 

33 - Onibaba, Hikaru Hayashi (1964)


Onibaba é um filme realizado por Kaneto Shindo e que retrata o quotidiano cinzento de duas mulheres que se vêm sozinhas a morar num pântano durante o século XIV no Japão. As duas mulheres ganham a sua subsistência a enganar e matar soldados que buscam santuário em casa delas. Depois de os matarem, ficam com os seus bens e é assim que ganham a vida. As coisas mudam quando um soldado chega a casa delas e a desconfiança entre as duas mulheres começa a crescer até atingir limites insuportáveis. A mulher mais velha começa a usar uma máscara pertencente a um samurai, mas vê-se incapaz de retirar a máscara, tornando-se ela própria uma espécie de demónio. A banda sonora de Hikaru Hayashi pontua toda a narrativa com o uso de percussão que sublinha os movimentos tensos, ansiosos e bruscos das personagens. Apesar de não se encontrar um lançamento oficial da banda sonora esta é de um cariz algo negro e jazzístico de vanguarda. É um filme clássico do cinema japonês que ainda hoje causa arrepios.

34 Brain Damage, Gus Russo (1988)


Brain Damage é um filme realizado por Frank Henenlotter que mistura com mestria comédia negra com terror. A narrativa centra-se em Brian, um jovem que se vê invadido por um parasita mutante chamado Aylmer que gosta bastante de cantar e que consome cérebros humanos para a sua subsistência. Brian começa a arranjar-lhe cérebros para comer, ao mesmo tempo que Aylmer injecta uma substância alucinógena em Brian que leva a algumas situações hilariantes, mas bastante gore. A banda sonora composta por Gus Russo tem também o seu quê de divertido, especialmente no nome dos temas, como por exemplo, Parasite Lost e Pasta con Cerebrum. As melodias são tipicamente anos 80 com sintetizadores a liderar e a ter bastante predominância. São 26 temas enérgicos e ameaçadores que ajudam a recriar a atmosfera única e criativa do filme. Um dos meus filmes preferidos de terror na medida em que consegue misturar comédia negra com terror, sem descair completamente na “palhaçada” e ao mesmo tempo consegue criar uma alegoria social sobre o uso de drogas e o efeito físico devastador que acaba por provocar na pessoa.

35 - Altered States, John Corigliano (1980)


Altered States é um filme realizado por Ken Russell e visualmente bastante forte e criativo. Consegue misturar ficção cientifica com terror da melhor forma possível e conta também com uma excelente interpretação de William Hurt no papel de Dr. Eddie Jessup que torturado pela morte do pai, decide descobrir pelos seus próprios recursos o verdadeiro significado da vida. Para alcançar o seu objectivo, toma um poderoso alucinógeno enquanto se fecha num tanque de isolação. É aí que nesse estado completamente alterado, viaja para os primórdios da história do Homem. É um filme surrealista, criativo e único. A banda sonora composta por John Corigliano acentua o carácter surrealista do filme através do uso ecléctico de várias sonoridades distintas. Há momentos orquestrais que enfatizam os momentos mais dramáticos e passagens de piano de profunda melancolia. A banda sonora em si é também ela uma viagem interior e introspectiva que se adequa na perfeição ao carácter único do filme.

36 -  Don’t look Now, Pino Donnagio (1973)


Don’t look Now realizado por Nicolas Roeg é um filme delicado que funde drama com terror. A história toma lugar numa das cidades mais carismáticas e bonitas da Europa, Veneza em Itália. O casal interpretado por Donald Sutherland e Julie Christie está de luto pela morte da filha e entra em contacto com uma vidente que lhes diz que a filha deles os está a contactar através do além. A partir daí, as coisas tornam-se cada vez mais estranhas e surrealistas. A banda sonora composta por Pino Donnagio é composta por 3 peças clássicas que acentuam a elegância e sofisticação do filme. Há passagens em que paira uma ameaça com o uso de uma orquestração pesada. É uma banda sonora clássica para um filme de terror psicológico com elementos sobrenaturais que elevou o bastião dos filmes de terror da década de 70.

37 - Les Yeux Sans Visage (Eyes without a face), Maurice Jarre (1960)


Realizado por George Franju, Les Yeux Sans Visage é um filme sombrio e surreal que retrata um cirurgião brilhante mas com óbvios problemas psicológicos que tenta restaurar a cara da filha que ficou horrivelmente desfigurada num acidente. Sem querer ligar a falhanços nem obstáculos, o cirurgião continua o seu trabalho apesar obter resultados um pouco grotescos. A banda sonora composta por Maurice Jarre tem o seu quê de romântico quanto de perturbante. São composições curtas mas cheias de sentimento e que evocam algumas das imagens mais marcantes do filme. Poético, mas arrepiante.

38 - The Neon Demon, Cliff Martinez (2016)


Realizado por Nicolas Winding Refn é um filme visualmente triunfante e que caracteriza de forma surreal o lado mais negro e soturno da indústria da moda. A história centra-se em Jesse (interpretada por Elle Fanning) uma jovem bela e um pouco inocente que tenta a sua sorte em L.A numa agência de modelos. As coisas assumem um carácter cada vez mais negro e aterrador quando a beleza de Jesse começa a ser motivo de inveja patológica. É um filme visualmente perfeito que se destaca imediatamente pelas belas cenas inicias e cuja banda sonora composta por Cliff Martinez complementa sem falhas o carácter sofisticado e luxuriante do filme. Há que destacar também o tema Demon Dance de Julian Winding que toca numa das cenas mais memoráveis do filme. A banda sonora é extremamente apelativa e pode ouvir-se independentemente do filme pois tem vida própria e um carisma bastante apelativo. É um dos filmes de terror psicológico mais bem conseguidos visualmente dos últimos tempos.  

Conclusão:
As bandas sonoras em filmes de terror são complementos essenciais para acentuar a atmosfera das imagens e o carácter tenso, ansioso e dramático da narrativa. Podem ser ouvidas independentemente das imagens, mas evocam sempre os momentos mais cruciais dos filmes que lhe deram vida. Seja com a mistura de ficção-científica, thriller ou até comédia, o género de terror continua a ser um dos mais prolíficos e interessantes da sétima arte.


TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Frames dos Filmes 

Fontes
Livros: Film Music and Film Genre, Mark Brownrigg
Shock Value: How a few eccentric outsiders gave us Nightmates, conquered Hollywood, and invented Modern Horror, Jason Zinoman