Palavras-chave : fusão, variedade, inovação Resumo: A música é uma das artes que nunca deixa de nos surpreender. Está assente nalguns...

Amizades Improváveis: Mistura de Géneros Musicais

Palavras-chave: fusão, variedade, inovação

Resumo:
A música é uma das artes que nunca deixa de nos surpreender. Está assente nalguns moldes que podem ser rígidos como o ritmo, tempo e outras precisões quase ou mesmo matemáticas, no entanto, há sempre espaço para a inovação e para a criação de híbridos ou “casamentos” entre géneros bastante diferentes entre si. São relações que poderiam eventualmente recair em desastre ou confusão absoluta, mas que se revelam harmoniosos nuns casos, noutros um pouco cómicos, mas sempre inesperados e recheados de inovação.

1 - FOLKTRONICA
Resulta da união entre vários géneros de folk com música electrónica. São projectos e bandas como Four Tet, The Books, Mid-air thief ou até mesmo Boards of Canada que representam este tipo de género que continua em crescimento e desenvolvimento.


Four Tet lançaram em 2003 o disco Rounds que consegue criar uma fusão interessante de música electrónica (IDM), folk e jazz. Um disco experimental que não deixa de ser extremamente melódico e acessível. Cada tema é um micro-universo de sons variados, texturas que aparentam ser simples, mas que demonstram um elevado grau de complexidade e não há uma homogenia, muito pelo contrário, o disco é variado e cada tema carrega o estandarte da sua própria identidade. Continua a ser um disco imprescindível e elementar para fãs de música electrónica que não se cinge a barreiras de géneros.


Em 2005 foi a vez de Boards of Canada lançarem The Campfire Headphase em que fundiram as suas bases electrónicas com instrumentos musicais orgânicos criando um disco menos experimental que os seus antecessores, mas com a guitarra como uma das estrelas principais. Apesar da presença forte da electrónica, o disco carrega uma aura bastante bucólica que alia o moderno das máquinas com a beleza e simplicidade da natureza. 


Em 2018, Mid-Air Thief da Coreia do Sul editaram Crumbling, um disco de considerável beleza e leveza com camadas após camadas de imprevisibilidade, melodia e criatividade. O trabalho complexo, melódico e pastoral de raízes folk preenche todos os quadrantes, mas dá espaço para as camadas de electrónica e para as vocalizações tranquilas e emotivas. A união com a electrónica faz com que persista uma qualidade de psicadelismo que apenas fortifica a intensidade e a beleza do disco.


Recuando um pouco atrás no tempo, The lemon of Pink por The books continua a ser um disco inovador que funde samples, field recordings e electrónica com guitarras acústicas que se dispõe por camadas para criar temas que nos surpreendem pelas suas texturas imprevisíveis criadas por banjos, guitarras, outros instrumentos de cordas, fragmentos de diálogos e beats que criam um som relaxado, mas hipnótico e que elevam o eclectismo e o patamar do que pode ser feito com e pelo som do mais simples e orgânico ao mais complexo e composto. 

2 - JAZZ RAP
Nascido entre finais da década de 80 e inícios de 90, o jazz rap firmou-se na cena hip-hop como um dos mais refrescantes sub-géneros. Bandas como A tribe called quest e Digable Planets, pavimentaram o caminho para outras bandas que passaram a usar instrumentos jazz nos seus concertos ao vivo. 


The Low end Theory de 1991 dos A Tribe called Quest foi um dos discos mais influentes da cena jazz rap e um dos primeiros a unir com mestria a coolness do jazz com as melodias líricas interventiva do hip-hop, criando um som bastante original e inventivo para a época em que foi lançado. Continua, no entanto, refrescante nos dias de hoje. 


Passados três anos, foi a vez de Digable Planets lançarem Blowout Comb, um disco com uma produção fantástica e que incorporou músicos de jazz no saxofone, baixo, guitarra e outros instrumentos musicais que ajudaram a criar um som rico e bastante complexo. As adições de vocalizações femininas ajudam a complementar um disco onírico, relaxado e extremamente jazzy. 


Já na década 2000, Nujabes lançou Modal Soul em 2005. O músico produtor japonês conseguiu fundir um jazz mais suave com os seus beats e criar um disco mellow e bastante acessível. As incursões de piano com os beats descontraídos e a inclusão de vários convidados nas vocalizações caracterizam o som único de Nujabes em Modal Soul


Em 1995 foram os The Roots que editaram Do you want more?!!!??!, um disco que usa samples de jazz suave ao vivo para complementar as beats de hip-hop. Chill é uma palavra usada em demasia nos dias de hoje mas é perfeita para adjectivar este disco. 

3 - RAP METAL
Um sub-género de metal alternativo que tem como vocalista alguém que se influencia no rap e com instrumentos que apelam ao groove. Algumas das bandas pioneiras foram Rage Against the Machine e Body Count


Foi em 1992 que a cena musical explodiu com o disco homónimo de estreia de Rage Against the Machine. Um disco que continua a ser um clássico nos dias de hoje. Letras assumidamente políticas cantadas por um vocalista carismático e com uma voz inconfundível, aliado a uma secção rítmica que surpreende a cada instante e um groove que muitos tentaram copiar, mas sem grandes resultados. O disco é constituído por dez temas e cada um é um clássico inimitável. A sua fusão de jazz, hip-hop, rap, funk e metal continua inigualável nos dias de hoje. Seguiram-se outros discos também ele clássicos e explosivos para a cena musical. 


Igualmente em 1992 foi a vez dos Body Count lançarem o seu disco homónimo. Também ele profusamente político e com uma posição dúbia e interventiva em relação às autoridades do sistema, por vezes promovendo o comportamento delinquente (supostamente), o que fez com que a banda tivesse alguns problemas e tivesse até de retirar um dos temas do disco apelidada de Cop Killer. A plataforma é o metal e o rock mas com Ice-T a debitar alguns dos cenários que ameaçam a comunidade afro-americana. Foram uma das primeiras bandas a perceber as semelhanças entre gangsta rap e o heavy-metal, pelo menos, na medida em que ambas são insatisfeitas com o sistema. 


No mesmo ano, Biohazard lançaram Urban Discipline que mistura rap, hardcore e metal. Foram talvez dos primeiros a experimentar esta fusão ecléctica de géneros e a obter resultados mais do que positivos. Foi também um dos discos que ajudou a fazer nascer o sub-género do nu-metal. 

4 -   NINTENDOCORE
Happy times, happy gaming. Este sub-género incorpora elementos de chiptune com samples de video jogos (Nintendo, claro) e com influências de mathcore, metalcore, cybegrind, noise rock e até post-rock. 


Em 2005 HORSE the band lançaram o disco The Mechanical Hand que mistura emo e screamo com sons de Nintendo. Não podemos dizer que não seja original, mas, por vezes, o que se desvia da norma pode ser um pouco rebuscado, não é esse o caso com HORSE the Band. É um disco enérgico e refrescante que se apoia muito no post-hardcore com sons de 8-bit, criando um som extremamente melódico e aditivo. É uma banda definitivamente fora-da-caixa. 


Em 2013, Heccra, uma one-man band editou Heccra-Kazooie, um disco que funde mathcore com alguns sons Nintendo e com uma aura jovial e extremamente humorística que se reflecte nos títulos de algumas canções como I wanna go on a ski trip with the Beach Boys. A sua capacidade para criar é inesgotável e os seus discos estão todos disponíveis na internet para download. 


Em 2004, Totally Radd!! lançaram Shark Attack Day Camp, mais uma dose enérgica de sons de jogos de consola retro, letras humorísticas e beats frenéticos. As músicas são de curta duração e há certas influências de synth punk que dão um certo carisma especial a este disco. 


Fucking Werewolf Asso lançaram em 2010 o disco Kid, just letting you know we are doing it again e ainda bem. O disco é hilariante, bem tocado e com camadas complexas de post-hardcore, sons inspirados em vídeo jogos e vocalizações inspiradas. Tudo isso resulta numa experiência intensamente cativante e original. 

5 - ART PUNK
Quem disse que não há espaço para a sofisticação no punk? Este género combina algum minimalismo, experiências com música folk, afrobeat, jazz e elementos de outros géneros para criar um som único e requintado. 


Em 1977 Television lançaram o icónico Marquee Moon que se caracteriza pelo seu som irreverente, inovador e enérgico. Enquanto muitas bandas copiavam directamente o estilo dos The Ramones, Television optaram por criar o seu próprio som. Muito mais lento do que punk, mas com excelentes riffs e trabalho único de voz, Television firmaram as suas pegadas na cena musical com o seu LP de estreia. 


No mesmo ano, Wire lançaram Pink Flag, com um estilo de som único para a época e que se mantém influente nos dias de hoje. É um disco com 22 temas curtos, mas que não contém um único filler. Cada tema tem uma identidade própria que faz este disco ter uma génese bastante variada. 


Talking Heads fizeram a sua estreia com Talking Heads:77 que contém a incontornável Psycho killer. Uma das bandas mais sofisticadas da cena dos anos 70 com a voz única e carismática de David Byrne a liderar as hostes. Uma inconfundível mistura de new wave com punk sofisticado fizeram e fazem dos Talking Heads uma das bandas mais inovadoras da cena musical independente. 


Em 1978, Pere Ubu lançaram Modern Dance, um disco criativo, bizarro (no bom sentido), poderoso e catchy. Colocaram um cunho vanguardista na sua música e influenciaram inúmeras bandas posteriormente nas camadas mais alternativas do punk. 

6 - COWPUNK
Chamado também de country punk, este género mistura country e rockabilly com os elementos fundamentais do punk. 


Foi no ano de 1984 que Meat Puppets lançaram Meat Puppets II fundindo música country com mentalidade punk e bastante influência hardcore, especialmente na velocidade dos temas. Esta banda alcançou mais popularidade por ser uma das bandas preferidas de Kurt Cobain e é fácil perceber porquê. A mistura de country com punk, hardcore e algum psicadelismo fazem a banda ter um som único e inimitável. 


No mesmo ano, Violent Femmes editaram o seu segundo disco de originais, Hallowed Ground. A adição de violinos para complementar os seus temas country punk foram essenciais para a construção de um disco coeso, de certa forma divertido e melódico. O disco tem a participação de John Zorn num dos temas com o seu saxofone desenfreado e clarinete.


Em 1985 Mekons editaram o disco com o excelente título Fear and Whiskey. Uma união feliz de punk com country e com letras alinhadas um pouco à esquerda. 


Mais tarde, já na década de 90, Country Teasers editaram Satan is real again or feeling good about bad things. Temas alinhados ao country, mas com alguma dissonância e a irreverência do punk. Tendo algumas reminiscências de Butthole Surfers, mantêm na mesma a sua sonoridade única.  

7 - BLACKGAZE
Este género mistura a intensidade e brutalidade do blackmetal com sonoridades mais etéreas e oníricas do shoegaze. Duas das bandas pioneiras do género foram Alcest e Amesoeurs. É um género popular que continua em perpétuo desenvolvimento. 


Em 2010 Alcest lançaram Écailles de lune. Oriundos de França e sob a batuta de Neige, Alcest conseguiram fundir elementos de post-rock e shoegaze com a ferocidade densa do blackmetal. O anterior Souvenirs d'un Autre Monde dividiu a comunidade black-metal, criando uma relação amor-ódio com a banda e os mais eclécticos viraram a atenção para o projecto iniciado por Neige. Combinando riffs poderosos com vocalizações etéreas e tempestuosas, Alcest conseguiram criar discos poderosos que se elevam no cume do blackgaze. 


Woods of Desolation editaram Torn Beyond Reason em 2011. É um disco que incorpora o etéreo do shoegaze, a complexidade do post-rock e a crueza do blackmetal. Uma mistura que poderia ser demasiado soturna ou claustrofóbica, mas que resulta numa leveza melódica acentuada pelas camadas libertadoras de guitarras e as vocalizações blackmetal que não saturam as melodias, dando-lhes todo o espaço para se desenvolverem. 


Oathbreaker lançaram Rheia em 2016 e além de se firmar no campo do blackgaze consegue ir buscar mais influências como ao crust punk, post-metal e até ao sludge. As vocalizações femininas são um dos pontos altos desta banda belga que evoluiu bastante desde o seu disco de estreia e que consegue contrabalançar as passagens mais agressivas com aquelas mais calmas e leves de influência post-rock. Um disco de imparável beleza. 


Foi em 2013 que Deafheaven lançaram Sunbather e deram cartas diferentes no meio da música alternativa mais pesada. Não possui tanto o carácter onírico consistente no shoegaze, mas uma ferocidade mais típica do screamo com passagens assumidamente post-metal.  Apesar das vocalizações mais inclinadas para o screamo que para o blackmetal, continua a ser um disco bastante étero devido ao uso das várias camadas de guitarras. 


Em 2009 Amesoeurs lançaram o seu LP homónimo. É um disco que contém algumas passagens belas aliadas a competentes vocalizações femininas. As camadas de guitarra ajudam a criar uma atmosfera dreamy e surreal, apesar de nalgumas partes serem um tanto ou quanto previsíveis. Foi e continua a ser um disco influente para a cena do metal mais atmosférico. 

Conclusão:
A música nunca vai deixar de nos surpreender com o seu eclectismo e com bandas que não estagnam, mas que tentam incorporar vários géneros e influências para criar a sua identidade e sonoridade próprias. A evolução e criação de novas sonoridades continuará a trazer boas e belas surpresas no espectro da música mais alternativa.

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Álbuns das bandas