foto de capa:  Cristiana Morais Rastejava sozinha entre desertos longínquos. Nessas viagens solitárias foi conhecendo outras serpe...

Jibóia, um encantador de outras serpentes que atravessa um mundo inteiro sem precisar sair do mesmo lugar

foto de capa: Cristiana Morais

Rastejava sozinha entre desertos longínquos. Nessas viagens solitárias foi conhecendo outras serpentes que também procuravam nos lugares que iam atravessando influências indefinidas. Jibóia (Óscar Silva), que em todo o seu trabalho leva qualquer ouvinte a imergir na sua viagem serpenteante, não a termina em curta duração, porque há um cuidado preliminar suportado no compasso pendular que hipnotiza qualquer olho concentrado no ilusionismo do encantador de serpentes. Jibóia é o próprio encantador. Cria um discurso dicotómico que se funde num corpo híbrido meio serpente, meio humano.

Ricardo Martins (Lobster, Pop Dell'Arte, Bruxas/Cobras), a dominar os ritmos, e Mestre André (aka O Morto, Alacrau and Notwan) nos sopros, são outras serpentes que se juntam à viagem OOOO, feita debaixo de sol quente em terras áridas. Jibóia dialoga livremente e não se prende a géneros para chocalhar as influências que a tem vindo a alimentar. O quarto trabalho de estúdio OOOO, realizado em contexto de uma residência artística, no espaço Damas no final de 2017, e editado no final de 2018, trespassa as paredes das salas de ensaios para viajar para o Médio-Oriente, para a Amazónia e para os espaços onde existe concentração magnética e esotérica. Nesse sentido, a nossa curiosidade levou-nos ao encontro de Jibóia, para percebermos como uma serpente tão sonhadora atravessa um mundo inteiro sem sair do mesmo lugar.

Da esquerda para a direita: Ricardo Martins, Mestre André e Óscar Silva

- Apesar de não teres viajado muito para os países a que te reportas sonoramente, como se processa esse conhecimento profundo e de onde vem esse fascínio?
(Óscar Silva) - O conhecimento não é profundo, muito pelo contrário. É mais o fascínio por esses lugares onde nunca fui, onde nunca estive e dos quais conheço pouco, que me leva a querer "inventá-los" ou "supô-los" musicalmente. Claro que há muita musica desses sítios que inspira Jibóia, mas é isso: a vontade de as descobrir, e de as refazer à nossa maneira que nos leva a querer conhecer mais, mas nunca demasiado, porque a ideia nunca é fazer o mesmo que se faz por lá mas sim piscar o olho a esses novos ambientes sonoros.

- OOOO é um trabalho que consegue levar o ouvinte a um estado de transe. Foi essa a intenção, ou o processo deste trabalho foi apenas fruto de improviso? 
- Foi um disco bastante pensado, certamente o disco que tem mais trabalho de composição de Jibóia. Tínhamos uma ideia clara do que queríamos e apesar de dentro de cada instrumento e de cada música haver sempre espaço para alguma improvisação, o disco foi todo pensado quase ao milímetro, cada riff, cada tempo, cada espaço. Acho que era algo que ainda não tinha explorado tanto no projecto, e foi desde início uma premissa a que nos propusemos, e esse desafio deu-nos bastante pica (e trabalho...).

- Uma vez que começaste o projecto sozinho, como é, para ti, abrir o leque criativo a outros membros também criativos?
- É normal, uma ideia que já vem desde o início do projecto. Apesar de o ter começado sozinho, o meu percurso musical foi sempre em bandas, portanto iria ser normal querer fazer colaborações com base no projecto Jibóia. De colaborações passaram a algo mais definitivo e agora assumo Jibóia como uma banda com 3 elementos, deixando para já de parte o one-man-band de outros tempos.

- Sente-se uma aproximação esotérica, às origens religiosas, uma curiosidade pelo livre pensamento místico que, neste sentido, se suporta nos sons para se transformar numa cabala que procura no mistério a ligação a uma entidade. Qual é a tua relação com os fundamentos mais filosóficos e místicos?
- A minha relação em particular não é assim tão vincada, mas sou um curioso por essa misticidade, principalmente a relacionada com alguma cosmologia. O Mestre André trouxe muito desses elementos para a criação deste disco, a par do Ricardo, que também é um curioso como eu. Fomo-nos debruçando sobre esse "livre pensamento místico" e deixámos que ele nos banhasse na composição do OOOO, para depois o desfazermos em ovos mexidos com farinheira.

- Em Diapason sente-se essa ligação mística, em Diapente o ritmo américo-latino e tribal está bem presente e Diatessaron liga as sensações presentes nos primeiro e segundo temas. Topos termina essa viagem que só poderia ser exprimida pelos sons. Será este o trabalho que mais prazer te deu realizar? 
- Todos me deram o devido prazer, mas sem dúvida que hoje em dia me sinto completamente absorto por este e por continuar a tocar em trio (ou em banda). Acho que ainda há muito mais para explorar por aqui, tanto musicalmente como em termos das referências e influências musicais que falas acima.

- Achas que as participações do Ricardo e do André concretizam na perfeição as ideias que pretendes transmitir e achas que as residências artísticas são a melhor solução para a criação colectiva?
- Para já estamos muito contentes por tocarmos juntos e em neste formato portanto, qualquer ideia que tenhamos será concretizável por nós. E continuamos com vontade de colaborar com mais pessoal, certamente isso acontecerá no futuro consoante as ideias que vamos tendo. Quanto às residências são sempre muito bem vindas porque é uma forma muito diferente e focada de fazer música, estar embrenhado numa ideia ou num projecto durante um tempo sem pensar em mais nada. Esta foi um bocado sui generis, porque foi uma "residência de concertos", em que íamos apresentando todas as quintas feiras o resultado dos ensaios da própria semana. Queremos explorar mais, noutro tipo de residências, mas enquanto elas não se proporcionam vamos continuando a criar na nossa sala de ensaios, na qual nos sentimos em casa.

Texto: Priscilla Fontoura
Entrevista: Priscilla Fontoura, Cláudia Zafre
Entrevistado: Óscar Silva (Jibóia)
Editora: Discrepant (http://www.discrepant.net/
Gravado e Misturado por Bernardo Barata, em Lisboa. 
Masterizado por Rashad Becker nos estúdios Dubplates & Mastring, em Londres.
Artwork e direcção de arte por Margarida Borges (foto de capa por Cristiana Morais)