Cartaz: A Well-Spent Life  Love makes you take Things ,   uma frase aparentemente singela, mas que proferida por Mance Lipscomb g...

Breaking the fourth wall: «A Well-Spent Life» (1972)

Cartaz: A Well-Spent Life 

Love makes you take Things, uma frase aparentemente singela, mas que proferida por Mance Lipscomb ganha uma outra amplitude. A da vida passada a fazer trabalho duro no campo, mas sem queixumes, porque sempre esteve ao lado da mulher que amou e com quem casou em Dezembro de 1930. Ficaram juntos até ao fim porque, para Mance, primeiro começamos por gostar de uma pessoa, do seu jeito, das suas atitudes e depois é que brota o amor. Esse amor que para o casal foram anos de cumplicidade, convívio, aceitação e compreensão. 


Mance Lipscomb é considerado por muitos como um dos melhores guitarristas de todos os tempos. Aprendeu desde cedo a tocar guitarra e tornou-se bastante popular nos territórios musicais do blues e do folk. A sua técnica de tocar guitarra conhecida como “dead-thumb picking” (que consiste em tocar repetidamente uma nota baixa a um ritmo conciso) era bastante popular em bluesmen do Texas e Lightning Hopkins, foi também um mestre da técnica que continua a ser bastante utilizada hoje em dia, sendo o músico Hozier um dos que a utiliza. 

Mance, um bluesman do Texas, possuía uma voz característica que o tornou uma figura incontornável do blues norte-americano. Tinha a música, o trabalho no campo e a sua adorada mulher que o acompanharam durante toda a sua vida até ao seu falecimento em 1976 quando tinha 80 anos. 

Este documentário é realizado por Les Blank, um importante documentarista com muitos trabalhos de referência, tais como The Blues Accordin’ to Lightning Hopkins, Werner Herzog Eats his Shoe (no qual filmou o mítico evento em que Herzog comeu o próprio sapato) e Burden Of Dreams (sobre o filme Fitzcarraldo de Herzog). A maior parte do seu reportório fílmico centrou-se no registo de formas tradicionais de música norte-americana, e com a característica singular de serem os únicos registos de alguns músicos, entretanto já falecidos. 


É portanto, com um enorme respeito que Les Blank deixa a câmara comunicar com Mance Lipscomb que vai dialogando e oferecendo algumas “verdades” que foi apreendendo durante a vida. Uma vida que pode ser feita de trabalho bastante árduo, mas que aguentamos com contentamento porque temos quem amamos ao nosso lado e algo pelo qual lutar. Mance também refere a sua ideia de um mundo ideal, em que existe harmonia racial e onde a cor de uma pessoa não é de todo relevante porque trabalhamos todos para um objectivo comum, viver bem e de acordo com a nossa natureza. 


Por vezes, as mensagens mais simples são aquelas que descartamos por, arrogantemente, as considerarmos demasiado óbvias, mas são essas que nos acompanham fielmente durante a vida, escondidas ou não, e que em momentos-chave se revelam para que tomemos algumas decisões importantes. 

O retrato de um homem sincero à sua arte e que durante a vida sempre soube que mesmo estando sozinho, uma ou outra vez, estava na mesma, cheio de contentamento porque a  vida estava e foi bem vivida.

Texto: Cláudia Zafre
Imagens: Frames do doc. A Well-Spent Life