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Juan Cavia: um criativo que se divide entre o Cinema e a Banda Desenhada

© Juan Cavia - Instagram

Ficamos embevecidos a olhar os desenhos de Juan Cavia, um argentino que tem firmado o seu caminho na indústria do cinema e na publicidade com o seu colega, o produtor Walter Cornás. Conhecemo-lo pelo trabalho que tem vindo a desenvolver com Filipe Melo, músico, realizador e criador de banda desenhada. No seu tempo livre Juan Cavia é ilustrador e criador de banda desenhada. De momento vive e trabalha em Buenos Aires, mas tem viajado pontualmente para Portugal para apresentar as suas bandas-desenhadas ao lado do seu colega e amigo Filipe Melo.

 (...) "Importa-me muito mais que a BD tenha qualidade narrativa do que seja bela, isso eu deixo em segundo plano."


Juan conhecemos-te pelo trabalho que tens vindo a desenvolver com o Filipe Melo. Como tem sido esta colaboração?
Conheci o Filipe aquando d'As Aventuras de Dog Mendonça & Pizzaboy que naquele momento era um guião para longa-metragem, escrita pelo Filipe e um argentino chamado Pablo Parés (também um realizador de cinema aqui na Argentina). O Filipe entrou em contacto comigo para fazer os desenhos conceptuais do filme. O projecto não avançou por causa de algumas condicionantes, e isso foi em 2004 (eu tinha 20 anos). Quatro anos mais tarde, o Filipe voltou a contactar-me e propôs-me adaptar esse mesmo guião para BD, o que foi um sonho para mim, apesar de nunca ter feito esse tipo de trabalho, estudei desenho por muitos anos e quando era pequeno sonhava em fazer as minhas próprias BD’s, apesar de o considerar um sonho algo frustrado. 

Como é a vossa lógica de trabalho? Costumam conversar muito sobre o processo, ou foi apenas um processo que ficou isolado ao primeiro trabalho, por se tratar de uma primeira colaboração?
Naquele primeiro trabalho, fizemos todo o processo à distância através do Skype. Foram quase 2 anos de conversas muito prolongadas (por vezes de 4 horas) para organizar todo o trabalho. Livro atrás de livros, fomos aperfeiçoando o nosso próprio método de trabalho. Hoje depois de sete livros (contando aqueles que ainda temos de lançar) há mais de 10 anos de colaboração, acredito que podemos dizer que temos um método muito mais profissional e optimizado.
© Juan Cavia (exemplo do sétimo livro a ser apresentado em 2020 pela dupla Juan Cavia e Filipe Melo)

O Filipe é músico e também, sempre que possível, aplica a sua criatividade a outras artes como ao cinema, e tu tens como hobby a banda desenhada e trabalhas em cinema e publicidade. Todas essas áreas compreendem-se, mas de que forma é que o teu trabalho - enquanto ilustrador - se liga ao cinema quando estás a criar uma história e a imaginar personagens, uma vez que os meios são diferentes.
É verdade que são meios diferentes mas em termos de origem são similares. Podemos dizer que a BD é mais limitada em relação aos meios audiovisuais, mas é muito mais prática em termos de produção. São muitos os que disseram “as comics são o cinema dos pobres” e, apesar de ter as minhas diferenças em relação a essa afirmação, estou de acordo que para fazer uma comic, são necessários muito menos recursos. No entanto, a essência de narrar através de imagens tem uma origem muito similar com o cinema. Em cinema, trabalho como designer de produção, o meu trabalho é desenhar todos os ambientes do filme, seja ele comercial ou uma série. Na BD, preocupo-me mais pela narração do que pelo desenho e parte visual, para que a narração ocupe o primeiro plano. Importa-me muito mais que a BD tenha qualidade narrativa do que seja bela, isso eu deixo em segundo plano.

"O cinema faz com que eu compartilhe o processo criativo com muitas pessoas e essa sinergia resulta em algo fundamental para mim na vida quotidiana. É algo que não poderia deixar apenas para fazer BD."

Asi Soy Así, Tita de Buenos Aires, realização Teresa Constantino; colaboração Juan Cavia

No cinema estudam-se os planos e enquadramentos para exprimirem a intenção da história ou das personagens, como aplicas esse exercício quando se trata de contar uma história em banda desenhada?
Exactamente da mesma maneira. A progressão dramática de uma BD (pelo menos as que eu gosto) regem-se pelas mesmas bases que a do cinema clássico. 

Tens vindo algumas vezes a Portugal apresentar os vossos trabalhos, no entanto, nem tu nem o Filipe têm a banda desenhada como meio de subsistência para viverem. Achas que alguma vez esse sonho possa vir a ser concretizado?
Na realidade, é um sonho cumprido à sua maneira. Quero dizer, naquele momento, quando era muito jovem e sonhava em fazer BD e viver apenas disso. Mas a vida levou-me até ao cinema e não foi algo assim tão casual. Gosto muito do trabalho de cartoonista mas também é uma profissão algo solitária, e eu sou uma pessoa bastante solitária. O cinema faz com que eu compartilhe o processo criativo com muitas pessoas e essa sinergia resulta em algo fundamental para mim na vida quotidiana. É algo que não poderia deixar apenas para fazer BD. Acho que ambas as coisas compensam uma à outra, o desafio está em cumprir com cada uma das partes. 

A música é uma arte que te diga respeito ou que valorizas muito? Qual a importância que dás ao teu trabalho?
Eu estudei piano clássico durante 6 anos com um professor russo de idade. Para mim, a música é a arte fundamental com a sua versatilidade e possibilidade de transcender barreiras rapidamente. 

Talvez seja uma das razões pelas quais, continuo a gostar de cinema, pela sua capacidade de fundir música com imagens de uma maneira única. 

O Segredo dos Seus Olhos é um filme que considero excepcional. Trabalhaste nesse filme e sei que na altura nem deste muito valor ao prémio por estares cansado pela imersão na produção de Dog Mendonça e Pizzaboy 2. És uma pessoa que trabalha muito a pensar em prémios, ou achas que, não obstante ser estimulador o reconhecimento, o mais relevante é sem dúvida o processo de criação?
Estávamos a trabalhar em Tondela e recordo-me que não pensavam que fossemos ganhar... Foi uma grata e muito inesperada surpresa, mas também não foi algo que mudou a minha vida, obviamente. 

Não sou uma pessoa que trabalha para os prémios, apesar de achar que o reconhecimento é melhor quando provém de pessoas directas. Obviamente, que os prémios e reconhecimento ajudam um pouco o artista contemporâneo e permitem que a sua arte não se torne demasiado críptica.

© Juan Cavia e Filipe Melo 

De todos os trabalhos que realizaste com o Filipe Melo, qual o que te deu mais prazer em termos de técnica e criatividade?
Vampiros foi o que mais esforço nos deu (a ambos) e talvez o que acabou a ter mais mérito. Mas o último livro, Balada para Sophie, foi sem dúvida, o trabalho do qual estou mais orgulhoso, não apenas porque foi um processo extremamente criativo e produtivo, mas também porque é uma história bela (e a história é sem dúvida o mais importante), e é um grande mérito do Filipe. 

Sei que agora estiveste a rodar um filme. Em termos de adrenalina trabalhar em cinema é muito diferente de trabalhar em banda desenhada. Essa dicotomia de ritmos é necessária para manteres o equilíbrio entre momentos de interacção com uma equipa e outros de solidão?
Absolutamente, eu considero esse equilíbrio fundamental na minha vida... ainda que não seja muito fácil de fazer e traz-me algumas dores de cabeça às vezes. 

Como olhas para o teu trabalho em diante com o Filipe? Planeiam produzir muito mais em conjunto?
Seguimos com calma, algo que fui aprendendo ao longo dos anos. 

Para terminar, gostaríamos que nos desses a conhecer 5 discos, 5 bandas desenhadas, 5 filmes/séries que consideras relevantes. 
É algo passível de mudar de acordo com as horas do dia, mas eu tentei.

Discos: sem ordem
- White Album, The Beatles
- Golberg Variations, Glenn Gould 
- Ok Computer, Radiohead  
- Adios Nonino, versão original de 1969, Astor Piazzolla 
- Blade Runner, Vangelis 

BD: sem ordem
- El Eternauta, Oesterheld – Lopez  
- Mort Cinder, Oesterheld – Breccia  
- The Arrival, Shaun Tan
- Akira, Otomo 
- That Yellow Bastard, Miller 

Filmes: sem ordem 
- Phantom Thread, P. T Anderson 
- Akira, Otomo  
- In the Mood for Love, Wong Kar Wai
- Mad MenMatthew Weiner
- Princess Mononoke, Hayao Miyazaki

Texto e Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: Juan Cavia
Imagens: © Instagram Juan Cavia, Frames de Filmes que colaborou
Tradução: Cláudia Zafre