Quando Fidel Castro assumiu o poder militar, os cubanos começaram a confiar naquele que tinha sido o primeiro-ministro de Cuba após a derrot...

Numa relação séria com a Netflix: Cuba and the Cameraman (2017)


Quando Fidel Castro assumiu o poder militar, os cubanos começaram a confiar naquele que tinha sido o primeiro-ministro de Cuba após a derrota de Baptista em 1959 e, passou, a partir de 1976, a presidente da república da ilha. Algumas transformações sociais, que poderão ser entendidas como táctica para convencer e sensibilizar o povo cubano a votarem num presidente que tinha como objectivo cortar as relações com os EUA e estreitar as relações amistosas com a União Soviética, foram realizadas em favorecimento das condições de vida dos cubanos. Adotando um modelo marxista-leninista de desenvolvimento, Castro converteu Cuba numa ditadura socialista sob o comando do Partido Comunista, o primeiro no hemisfério ocidental.

Com o trauma histórico que os EUA já arrastavam contra a União Soviética, as relações entre Cuba e EUA começaram a ficar cada vez mais amistosas, e Cuba tornou-se um Estado socialista autoritário unipartidário, a indústria e os negócios foram nacionalizados e reformas socialistas foram implementadas em toda a sociedade. Sob essa ameaça, os EUA tentaram remover Castro da governação cubana mas sem êxito. Fruto das coacções americanas, Castro formou uma aliança com os soviéticos, permitindo que os mesmos incluíssem armas nucleares na ilha, o que provocou a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962.

A ascensão de Castro ao poder permitiu que barracas se transformassem em casas, o sentido de igualdade social começava a ser transversal a todo o povo, mas, quando a União Soviética desmembrou-se, a dependência financeira e as trocas económicas que tinham com a Rússia enfraqueceram. Grande parte das trocas feitas eram entre Cuba e a União Soviética, e os cubanos começaram a ficar mais débeis financeiramente, ao ponto de terem apenas direito a um pão per capita, a um saco de arroz por semana, e outras limitações; como único meio de sobrevivência, os crimes começaram a acontecer até nos meios mais rurais.

As reformas fizeram parte do planeamento económico central e levaram Cuba a alcançar índices elevados de desenvolvimento humano e social, como a menor taxa de mortalidade infantil da América, além da erradicação do analfabetismo e da desnutrição infantil. No entanto, os avanços sociais foram acompanhados pelo controle estatal, com a supressão da liberdade de imprensa/expressão e inibição da dissidência interna.
O material com que os médicos trabalhavam eram rudimentares e o salário de um médico mais baixo do que o de um taxista, por exemplo. O chá-chá-chá entre cubanos resistentes, que jamais deixariam Cuba por obediência ao seu líder, e os que fugiram à procura de liberdade e melhores condições de vida e trabalho, foi desigual; os passos dados em contramão entre as duas frentes dividiram os cubanos.

Cuba and the Cameraman
Cuba and the Cameraman

Cuba and the Cameraman foi filmado ao longo de 40 anos. O realizador John Alpert foi criando uma verdadeira relação de amizade e afectiva com os seus interlocutores, e Cuba passou a ser a segunda casa.

O documentário transmite a ideia da relação que o realizador consegue estabelecer com Fidel. Inicialmente a ligação entre o realizador norte-americano e o presidente Cubano parecia próxima e exclusiva, mas, conforme, se vai sendo introduzido gradualmente aos problemas que a sociedade cubana vai enfrentando, apercebe-se que a relação entre os dois começa a distanciar-se.

Jon Alpert, vencedor de 15 prémios Emmy, acompanha os destinos de três famílias cubanas ao longo de quatro décadas conturbadas da história da nação. Realizado de uma forma livre, genuína e sem grandes presunções, o realizador norte-americano conseguiu estabelecer laços mais próximos com os seus personagens, tornando-o um realizador participativo. A interacção entre o cineasta e o tema é enfatizada com entrevistas e outras formas de envolvimento. Ao longo do documentário são unidas imagens de arquivo e assume-se, portanto, uma postura mais presente na construção da narrativa.

  

Castro foi uma figura mundial controversa que dividiu o povo cubano. Foi condecorado com vários prémios internacionais e os seus partidários elogiam-no por ter sido um defensor do socialismo, do anti-imperialismo e do humanitarismo, e cujo regime revolucionário garantiu a independência de Cuba do imperialismo norte-americano. Em contraste, os críticos classificam-no como um ditador totalitário com uma administração que cometeu múltiplos abusos aos direitos humanos, causando um êxodo de mais de um milhão de cubanos e o empobrecimento da economia do país. Um homem paradoxal que ainda hoje continua a influenciar mentalidades.

Texto: Priscilla Fontoura