Foto de: José Ferreira Fosse a vida acompanhada por banda sonora contínua e essa seria feita pela viagem sónica dos Colour Haze. Acor...

A genialidade do Oriente, o psicadelismo germânico e a loucura judaica, num Sonic Blast a rebentar pelas costuras

 Foto de: José Ferreira

Fosse a vida acompanhada por banda sonora contínua e essa seria feita pela viagem sónica dos Colour Haze. Acordes duros marcados pelo balanço do imprevisto, melodias ora melancólicas, ora de esperança, e o aparente improviso de uma secção rítmica pronta a descobrir novas saídas para o novelo intrincado do destino. Provam-no os germânicos que predestinação é o conforto dos pouco audazes. Talvez estejamos a exagerar. Terá a vida nuances que abrem espaço para outras bandas sonoras. Certo é que se houvesse uma no fim-de-semana de Agosto passado no Moledo, na edição de 2017 do Sonic Blast, onde não couberam todos os que lá queriam ter ido, seria a da banda liderada pelo guitarrista/vocalista Stefan Koglek, em dois dias marcados pela genialidade dos Kikagaku Moyo e o stoner e a loucura dos The Great Machine, que aterraram pela primeira vez em Portugal para espalharem mensagens de amor.

O Moledo, no Alto Minho, é, no fim-de-semana do festival, uma vila diferente. Há anos colónia de férias da elite do Porto que foge das praias da Foz para o paraíso do concelho de Viana do Castelo é, também, há pouco mais de uma década, refúgio de um pequeno nicho para quem foi criada uma vila dentro de outra onde o rock se faz de forma relaxada. Chame-se Stoner, doom, sludge, desert, psicadélico e outras designações que o ponham numa prateleira que facilita a vida a quem vive da organização feita por rótulos. Nada contra eles. Cairemos na mesma tentação de os usar (já o fizemos).

Voltemos já a seguir esse mesmo caminho (também nos facilita a vida). Se há rótulo que encaixa sem qualquer dúvida no que os israelitas The Great Machine fazem é o do stoner rock. Não fazem eles outra coisa. Isso se pensarmos apenas no instrumental. É no sector lírico que fazem a diferença e é aí que ganham pontos.

Enquadremos. Viver numa zona do globo constantemente em tumulto é coisa que cá, na maior parte dos casos, é coisa desconhecida. É aí que os de The Great Machine se destacam, suportados por composições a nível instrumental que pouco acrescentam ao género supracitado. São mensagens de amor, alicerçadas na esperança de que é aí que reside a resposta para a resolução de conflitos, à partida sem resolução. Sim, também parece não ser nada de novo o que está por detrás da temática. Repetimos e voltamos a sublinhar as raízes dos israelitas. Diziam-nos em entrevista que é esse o caminho para resolver um conflito, do qual preferem não falar, que é mais político do que outra coisa qualquer. Mas não é só aí que ganham pontos. Apresentam-se ao vivo com a atitude que recuperam directamente dos 90, da génese do género. Há uma dose de loucura e uma atitude relaxada que lhes permite garantir a atenção de quem os vê a abrir o palco principal, no primeiro dia, depois de terem actuado no palco da piscina, entre outros, os portugueses Black Bombaim e os Stone Dead.

É este dia cheio de coisas boas. Da “jam” dos suecos Yuri Gagarin prova-se que o lugar de banda revelação dos últimos anos dentro de uma vertente mais espacial é merecido. Não tivessem os suecos nome de astronauta russo. Conseguiram os Elder, a promover o novo Reflections of a Floating World, uma actuação mais do que competente, mas sem eriçar pêlo. O doom/sludge dos Monolord não falhou na criação de um ambiente envolvido em distorção e não desiludiu quem já os tinha visto no SWR Metalfest de há dois anos.

Mas foram os Kikagaku Moyo a conseguir dar aquele passo mais além da indiferença. Os japoneses que começaram a tocar nas ruas de Tóquio têm apenas três álbuns, mas a maturidade de uma banda veterana. Conjugam o lado mais psicadélico em doses perfeitas com a vertente de raiz mais folk (japonês) que lhes confere o ambiente mais místico e mais ancestral. De resto, é esta conjugação que os catapulta para um patamar de destaque num cartaz maioritariamente apoiado no fuzz. É possível que para eles seja algo de muito natural apoiarem-se nas raízes. Mas são estes riscos que os tornam em algo oposto à ideia do epíteto de “apenas mais uma banda” num género por si já saturado. Cinquenta minutos chegaram para desfazer as dúvidas.

Foram os Colour Haze, entre os veteranos Acid King, os enérgicos Orange Goblin e os dispensáveis Dead Witches que garantiram o momento mais alto da segunda noite e do festival. Há uma sensibilidade rara nestes alemães difícil de encontrar em qualquer banda. Se a guitarra de Koglek convida à viagem e o baixo de Philipp Rasthofer serve de dínamo, é a bateria de Merwald que se intromete na previsibilidade. Não há nada de previsível nos Colour Haze. Há sim uma sincronia e sintonia que não são comuns. A bateria é intrincada quando tem que ser, o baixo às vezes parece veludo e a guitarra pinga sensualidade. Fica a voz de Koglek ao vivo mais longe da genialidade, mas sem comprometer em nada a performance.

Houvesse quem tivesse torcido o nariz ao último álbum, In Her Garden, só com muita má vontade não mudaria de opinião. Skydancer serviu de convite à redenção dos corações duros, que se ainda assim não ficaram convencidos, ao menos que se tivessem agarrado ao passado com Transformation. Há quem tenha garantido que enquanto tocavam uma estrela cadente passou por cima do palco. Prenúncio da noite estelar dos Colour Haze que se despedem com a promessa de cá voltar.