Imagem: Vítor Rua Peçam ao Vítor Rua para vos ensinar a escala pentatónica. Haverá de vos ensinar a parti-la ao meio, em três o...

Bagagem de Vítor Rua: 5 livros, 5 discos, 5 filmes

Imagem: Vítor Rua

Peçam ao Vítor Rua para vos ensinar a escala pentatónica. Haverá de vos ensinar a parti-la ao meio, em três ou em quatro e a acrescentar-lhe mais notas do que as cinco iniciais e mais uns tons que não lembram ao diabo. Esqueçam a escala pentatónica e foquem-se no Vítor Rua.

Comecem por espreitar um lado B de um disco de 1982 de uma banda que despediu em massa e lhe interpôs recurso que ainda hoje vale. É ainda nesse ano que Ctu Telectu sai para não ser entendido pela maioria da massa crítica “especializada” e para marcar o ano 0 da dupla que formava com Jorge Lima Barreto. São os Telectu, a par de Carlos Zíngaro, com quem também trabalhou, pioneiros do espectro infindável de possibilidades da música experimental improvisada, neste caso, feita em Portugal. 

Há música experimental improvisada em Portugal? Há, está é bem escondida. Onde? Procurem. E já que estão com a mão na massa procurem também a vasta discografia de Rua, que é obra que vai crescendo, arriscamos dizê-lo, diariamente. 

E o que é que anda a fazer Vítor Rua? O que anda a fazer ou o que é que tem feito? Tem feito o que sempre fez. Escreve composições para todo o mundo, transforma e cria instrumentos, compõe, dá aulas, passa tempo com os gatos, compõe, ocasionalmente é entrevistado para programas de canais refundidos, compõe, partilha uns vídeos no Youtube, cria bandas sonoras para filmes e compõe. É possível que nos tenhamos repetido. 

Do Androids Dream of Electric Guitars? Tantas perguntas. Para esta, se quiserem saber a resposta, só ouvindo o último álbum duplo que lançou com os The Metaphysical Angels no ano passado, e é parte de uma trilogia, ou indo até ao Theatro Circo, em Braga, a 3 de Fevereiro. 

Entre tudo isto ainda tem tempo para ler, ouvir música e ver filmes. Perguntamos-lhe, por isso, quais os 5 livros, 5 discos e 5 filmes que recomenda. 

Texto: André Vieira



O Meta Big Bang 

Tudo começou há 15.000 milhões de anos com uma explosão de luz e som na noite do tempo. 

O Universo era um puré homogéneo em expansão de electrões, fotões, quarks, neutrinos e outras belas e exóticas partículas como os gravitões e os gluões. 

Umas dezenas de microssegundos após esta explosão o universo era já um caldo primitivo de quarks e gluões e um quadragésimo de microssegundo depois, quando a temperatura já tinha descido um bilião de graus, os quarks uniram-se para gerarem os nucleões: protões e neutrões 

Foi um pouco como um pudim que se mete no forno: à medida que incha, as passas afastam-se umas das outras. 

Poeiras interestelares iniciaram uma dança em volta de embriões de estrelas, formando discos análogos aos anéis de Saturno, que pouco a pouco se começaram a unir constituindo estruturas rochosas de dimensões sempre crescentes, acabando por se aglomerarem em planetas. 

Um desses planetas, ainda incandescente, escapando inexplicavelmente às forças magnéticas que o sustinham num ponto exacto de uma galáxia, viu-se engolido num fino tubo de espaço-tempo – também conhecido como buraco de verme -, entrando num universo paralelo ligado ao nosso por um comprimento de onda que nos permite viajar no tempo. 

A vida nesse planeta não apareceu nos oceanos, como durante muitos anos se acreditou, mas sim em lagoas e pântanos – locais secos e quentes durante o dia, frios e húmidos de noite - nos quais longas cadeias de moléculas ficaram cativas associando-se espontaneamente em pequenas cadeias de ácidos nucleicos, formas simplificadas do ADN, que viriam a ser o suporte da informação genética dos seres desse planeta. 

Terra, assim se chamou a esse planeta, nasceu da argila e os seres que nela habitavam eram compostos de poeira do Meta big bang e continham neles toda a memória do universo. 

Dentro dessa “memória Global” estava presente a "memória-input” do músico Vítor Rua. 

Essa “memória” estava catalogada em “folders quânticos": “5 Livros”, “5 Discos”, “5 Filmes”. 

5 livros:
- "Godel Escher e Bach": obra prima! Daqueles livros que só entendemos uma percentagem, mas essa é tão importante que nos faz esquecer aquilo que não compreendemos.
- "Music Notation on The 21 Century", livro com o qual eu aprendi a notação musical de vanguarda.
- "Digital Mantras" fez-me ver que existem variegadas formas de pensar e ver o Mundo.
- “Musicónomos” de Jorge Lima barreto, que me deu a descobrir outros mundos musicais.
- “A Piada Infinita” ou como se pode improvisar a escrever de forma idiomática.

5 discos:
- A minha Bíblia: “A Nice Pair” dos Pink Floyd de Syd Barrett… Genial!
- “Microphonie I” de Stockhausen fez-me querer ser compositor!
- Nunca mais adormeci tão bem depois de escutar o “Music for Airports” do Eno.
- “Inventions for Electric Guitar” de Manuel Gotsching, fez-me gostar de novo do delay…
- “Prometeo” de Luigi Nono: o Silêncio!

5 filmes: 
- A primeira vez que “tripei” foi quando “tomei” o “2001 Odisseia no Espaço”
Mudou a minha vida! 
- Só as grandes obras conseguem mudar a consciência e personalidade. 
O “Arca Russa” realizado num só “Take” de 86 minutos. Tal como eu gosto de fazer na minha música: ao primeiro “take”! 
- O “Invencível” com o Bruce Lee fez-me querer ser uma pessoa melhor. 
- “F de Fake” do Orson Wells fez-me pensar na questão da “Aura” do Walter Benjamin… 
- A “Branca de Neve” do João César Monteiro continua o percurso sério de Duchamp e Cage e fez-me ver o Futuro!

Texto: Vítor Rua