31 – Begotten Ter pesadelos é sempre uma experiência aterradora. Pode ou não desvendar algumas das nossas ânsias e medos pessoais, ma...

O lado B do cinema: filmes que desafiam a lógica, o bom-senso e o politicamente correcto (parte 4)

31 – Begotten


Ter pesadelos é sempre uma experiência aterradora. Pode ou não desvendar algumas das nossas ânsias e medos pessoais, mas sentimo-nos sempre como que envoltos numa névoa de confusão e angústia ao acordar. Essa névoa pode durar horas, minutos ou apenas segundos, mas é certamente poderosa. Além da sua intensidade é também bastante particular, parecendo que é apenas gerada pelo nosso subconsciente. Mas e se essa sensação nos for dada por uma obra de arte ou por uma peça cinematográfica? É o que pode acontecer ao visualizarmos Begotten realizado por E. Elias Merhige. O filme não tem uma narrativa linear, mas consiste numa sequência de imagens filmadas a preto e branco com bastante grão e que em poucos minutos nos transporta para um mundo onírico negro e sem esperança. Apesar de haver cenas muito complicadas de assimilar visualmente, não conseguimos desviar os olhos tal é o carácter hipnótico que o filme carrega. O filme tem uma identidade livre, na medida, em que cada espectador é livre dele tirar o seu significado. Existe uma perfeita subjectividade de interpretação. É um filme que literalmente deixa a sua marca no espectador que o vê e que tão cedo não se esquecerá deste filme enigmático e críptico. 

32 – Spider baby
Este filme realizado por Jack Hill mistura uma dose subtil de humor negro com terror e consegue fazer-nos simpatizar com os três vilões da história. É um pouco complicado caracterizar a família deste filme como disfuncional, sendo que vivem em harmonia perfeita no seu gosto por assassinatos e aranhas. O verdadeiro desequilíbrio instala-se quando são visitados pela sua tia, tio e um advogado algo manhoso. Os instintos homicidas dos três irmãos surgem à superfície e começam os verdadeiros problemas. É que estes irmãos, duas encantadoras meninas adolescentes e o seu irmão que é mudo e gosta de se esconder em sítios esquisitos, sofrem de uma doença degenerativa que além de os infantilizar, faz com que se tornem extremamente susceptíveis a praticar homicídios.  Não há uma explicação muito detalhada sobre a razão pela qual uma das adolescentes pensa que é uma aranha, mas é apenas mais uma das marcas atraentes deste intrigante filme de terror. Destaque especial para as cenas finais e a infame cena do jantar em família. 

33 – Prisioners of the lost universe


Os universos paralelos são sempre uma boa base exploratória para narrativas, seja para efeitos hilariantes como em Rick & Morty ou para utilizar o baixo-orçamento num filme divertido e que não se leva demasiado a sério como este filme realizado por Terry Marcel. A narrativa acompanha as aventuras de três pessoas que se teletransportam acidentalmente para um outro universo. Este universo é um local hostil dominado pelo tirano sanguinolento, Kleel (interpretado por John Saxton). Os efeitos especiais são da velha-guarda, o que dá ainda mais charme a este pequeno filme de ficção-científica e fantasia. Podemos encontrar gigantes dourados, homens verdes, homens selvagens das cavernas e muito mais. É um filme paradisíaco para verdadeiras escapistas.

34- Rock ‘n’ roll Highschool


Se és estudante num liceu onde a directora queima os discos de rock ‘n’roll, não te deixa cantar nem basicamente divertires-te, chama os Ramones! Este filme musical de comédia realizado por Allan Arkush encanta todos os fãs de Ramones e cativa todos aqueles que apenas são simpatizantes da banda. A narrativa passa-se num liceu que segue o regime ditatorial da directora Miss Togar (interpretada pela sempre excelente Mary Woronov) que acredita que o rock’n’roll apenas serve para gerar delinquentes. Entra Riff Rendell (PJ Soles), fã #1 dos Ramones, cujo sonho é compor músicas para a banda e conhecer Joey Ramone. O seu sonho fica perto de ser concretizado quando a banda entra em tour e passa pela sua cidade. Riff Rendell, munida pelo poder do rock e com a ajuda dos Ramones, vai conseguir fazer frente à directora do liceu e a um grupo de cidadãos ultrajados pelo poder “diabólico” do rock. É um filme divertido, recheado de momentos músicos e que tem ratos gigantes rockeiros que também são alunos do liceu. É caso para dizer Gabba-gabba, hey!

35- Mondo Hollywood


Este documentário realizado por Robert Carl Cohen é uma viagem interessante ao sub-mundo da “terra dos sonhos” - Hollywood- durante a década de 60. Somos apresentados a várias pessoas que vivem em Hollywood e às suas excentricidades. Claro que o que era considerado polémico na altura, é nada mais do que mundano nos nossos dias, no entanto, não deixa de ser uma paisagem social intrigante e imprescindível para quem se interessa pelos hábitos e estilos de vida menos convencionais da década de 60 nos USA. Hollywood é descrita como um paraíso ou refúgio para quem quer sentir e viver livremente, sem convenções ou dogmas moralistas. Há footage de surf, narrações de surfistas que descrevem o estilo de vida de um surfista, cenas dos bastidores do filme “Torn Curtain” de Alfred Hitchcock, entrevistas com músicos e um milionário que vive numa garagem que tem uma casa numa montanha e um macaco como animal de estimação. É um retrato fascinante de uma época onde os valores foram desafiados e novos estilos de vida começaram a imergir.

36 – She


Neste filme acompanhamos uma série de odisseias por várias sociedades de um pós-apocalipse. Basicamente, seguimos She, a heroína da história que com a ajuda de dois irmãos e da sua fiel companheira, batalha múmias com motosserras, comunistas com poderes mutantes dignos do professor Xavier dos X-men e nazis cujo único interesse é o homicídio. Mas há muito mais do que isso, claro! A narrativa é extremamente confusa e surreal. Sabemos que os dois companheiros de She, são dois irmãos (um deles é interpretado por David Goss que também entrou no clássico Hollywood Cop) que querem resgatar a irmã deles e aliam-se a She, apesar de terem começado como seus inimigos. O ratio de estranheza é bastante elevado e pode dizer-se que em cada 5 minutos, é dito ou acontece algo surreal. Um filme que fica a meio caminho entre a comédia e a acção mas que pode agradar a fãs de filmes com orçamentos modestos que ainda assim tentam e conseguem recriar mundos bem diferentes do nosso.   

37 – The flesh eaters


Este filme realizado por Jack Curtis e lançado em 1964 é reconhecido por ser um dos primeiros filmes que apostou no gore para chocar, impressionar ou deliciar os espectadores. A narrativa é bastante linear e segue um grupo de três pessoas que se despenham numa ilha deserta. O piloto, um galã tipicamente hollywoodesco, uma actriz com problemas de alcoolismo e a sua assistente. Além de se terem despenhado numa ilha deserta, deparam-se com a presença de um cientista de origem alemã que realiza experiências pouco ortodoxas na ilha. A este invulgar quarteto, junta-se um híbrido de beatnick com hippie que declara que a única arma é o amor. Mas será que o amor será suficiente para lidar com a ameaça que rodeia a ilha? É que na água habitam micro-organismos que devoram a pele dos humanos! O filme consegue criar suspense e tensão nos momentos certos e as cenas gore tendo a época em que foi feito e o orçamento são muitíssimo bem conseguidas. Um filme para rever e ver com a família numa noite de domingo preguiçosa.  

38 – Q: the winged serpent

Larry Cohen é um realizador que sempre se muniu de ideias originais nos seus filmes e este filme lançado em 1982 não é excepção. A acção decorre em Nova Iórque (tal como o seu filme anterior Gold told me to) e é um misto de género policial com terror sobrenatural. Uma série de crimes grotescos pontuam o quotidiano da cidade e cedo se descobre que o responsável é uma criatura gigante voadora que habita no edifício Chrysler. Nota-se, como sempre nos filmes de Cohen, um excelente aproveitamento do orçamento tanto nos efeitos especiais como no design da criatura. Narrativamente, há espaço para uma boa construção de personagens e criação de tensão a um ritmo por vezes lento, mas que serve a narrativa. Se se quiser ver um filme como uma criatura que aterroriza uma cidade e se quer fugir um pouco dos estereótipos, é um filme que não desilude.  

39 – The thing with two heads


Preconceitos absurdos como racismo sempre foram temas abordados na sétima arte. Neste filme realizado por Lee Frost, durante a primeira metade do filme, essa questão do racismo é abordada de forma delicada, claro que as coisas depois descambam um bocado e de forma hilariante. A narrativa apresenta-nos a um homem extremamente rico e racista que para prolongar a sua vida, envolve-se numa experiência para que a sua cabeça seja transplantada para o corpo de um humano saudável. O que acontece é que o único corpo disponível é a de um recluso afro-americano. Segue-se uma sequência de eventos cómicos e surrealistas com a exploração da relação entre o homem branco racista e o seu novo companheiro. É um filme que não se leva demasiado a sério mas que garante uma tarde de diversão.

40 – Pterodactyl woman from Beverly Hills


Além do nome brilhante, este filme realizado por Phillipe Mora, é uma mistura divertida de fantasia com comédia. Assim como o nome indica é sobre uma dona de casa de Beverly Hills que se transforma num pterodáctilo, fruto de uma maldição lançada por um indígena chamado Salvador Dalí. A partir daí, as coisas como seriam de esperar, tornam-se cada vez mais bizarras com uma performance fantástica de Beverly D’Angelo como a mulher-pterodáctilo. Existe também um delicioso número musical, algo sobre martinis azuis! Os diálogos são surpreendentemente perspicazes e é um filme que claro que não se leva demasiado a sério mas garante a requerida dose de entretenimento e diversão.


Conclusão:
Há bastantes mais filmes e um universo fantástico por explorar no espectro dos filmes de série-B que continuam a surpreender-nos com as suas narrativas de premissas inusitadas e totalmente “loucas”. É um universo que me cativa e que exploro há vários anos. E que os baixos orçamentos e poucos recursos nunca impeçam a sétima arte mas lhe dêem ainda mais inspiração, engenho e recursos criativos que continuarão a inspirar outros cineastas e cinéfilos. 

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE