© Pedro Medeiros Ouve-se a contagem de números aleatórios de um possível andróide por cima da camada midi que lembra o ambiente sono...

A constante vontade de criar música é o fantasma que persegue os Ghost Hunt. Lançam o segundo disco de originais intitulado II a 2 de Junho.


© Pedro Medeiros

Ouve-se a contagem de números aleatórios de um possível andróide por cima da camada midi que lembra o ambiente sonoro de Twin Peaks. Assim se inicia o segundo disco de originais II, do duo de electrónica Ghost Hunt, constituído por Pedro Chau (The Parkinsons) e Pedro Oliveira (ex-membro de Monomoy), que se assombra apenas pelo fantasma que os impulsiona a criar música. Abre-se o portal para uma série acompanhada por uma banda-sonora que mescla mistério com ficção científica, um certo tom näif com krautrock e indie. 

Ghost Hunt apresentou-se ao mundo por intermédio da conimbricense Lux Records e agora lançam II, editado a 28 de Maio via Lovers & Lollypops em formato digital. Com Pedro Chau no baixo e Pedro Oliveira a operar a maquinaria formada por sintetizadores e drum machines, o duo voltou aos estúdios Blue House, em Coimbra, para gravar o segundo LP, com João Rui, responsável pela mistura e masterização e Joana Monteiro pela autoria da capa.

O disco será apresentado ao vivo em streaming, a 5 de Junho, no âmbito da parceria que a Lovers & Lollypops estabeleceu com o Circulo Católico de Operários do Porto. O disco sai digitalmente a 2 de Junho no bandcamp.


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"Nunca tivemos pressa em fazer as coisas, cada música surge no momento que tem de surgir, não há aquela coisa de lançar música só porque te dizem que tens que lançar. Na minha opinião acho este álbum mais versátil e maduro que o anterior, revelando melhor alguns caminhos que poderemos vir a seguir ou desenvolver no futuro."


Esperamos que estejam de plena saúde. Como se encontram e como estão a responder à pandemia?
P. Chau - Com a excepção da ameaça da covid-19 e da paragem de concertos e suas consequências, considero que tenho estado bem. Gosto de estar em casa. Fui pai pela primeira vez a 19 de Fevereiro e estou como nunca a viver uma experiência que me está a trazer uma enorme alegria. Estar tanto tempo sem sair de casa também me está a fazer prestar mais atenção à música em geral. Ouvir discos que há muito não ouvia e descobrir também alguns novos. Mas voltando à pandemia, tento ter os cuidados recomendados para não colocar a minha saúde e a dos outros em risco. 


Como se deu a construção de II? Aconteceu antes desta fase distópica? 
P. Chau - A maior parte dos temas surgiram no verão passado e foram de seguida gravados em Outubro. Lembro-me em Setembro de ir a Lisboa ensaiar e o Pedro Oliveira me mostrar as músicas novas. Este foi o momento que achámos que o álbum já estava quase completo. Da minha parte foi só acrescentar o baixo. No entanto, foram feitas em 2018 algumas gravações que ficaram para trás por não estarem ao nível desejado. Nunca tivemos pressa em fazer as coisas, cada música surge no momento que tem de surgir, não há aquela coisa de lançar música só porque te dizem que tens que lançar. Na minha opinião acho este álbum mais versátil e maduro que o anterior, revelando melhor alguns caminhos que poderemos vir a seguir ou desenvolver no futuro.
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"Falar de rock e música electrónica como se fossem duas entidades distantes já não faz grande sentido. A música é o que mais importa. Seja tocada com bateria e guitarras ou drum machines e sintetizadores, o que vale mais é se tem o efeito desejado, que tenha qualidade, que nos cative ou provoque. Há quem tenha dito, até mais que uma vez, que fazemos uma electrónica bastante orgânica, mas se isso é verdade ou não, não sei dizer!"


O vosso disco poderia servir na íntegra como banda-sonora para uma série tipo Stranger Things, existe uma espécie de homenagem à sonoridade e ambiência dos anos 80.
P. Chau - Entrar numa banda sonora de um filme é algo que um dia gostaríamos muito de ver acontecer, mas não pretendemos soar aos anos 80 ou fazer qualquer tipo de homenagem, pelo menos de forma consciente. Há sim grupos e filmes dessa época que nos marcaram enquanto crianças ou adolescentes e que, por vezes, nos podem servir de referência. 


Apesar da tendência fortemente electrónica, há sem dúvida um laivo (kraut)rock assumido, principalmente no tema New Ceremony. Será esse casamento a resposta perfeita para as preferências que os dois partilham? O rock e agora a electrónica? Ou será que poderão criar um disco mais orgânico e pesado depois deste II? 
P. Chau - Não diria a resposta perfeita, mas talvez uma das respostas. Desde o início que partilhamos esse gosto por algumas bandas alemãs que fizeram parte daquilo que é o krautrock (terminologia até bastante contestada). Género ou subgénero onde podemos encontrar bandas com estilos bastante diferentes. Há até uma vertente bastante electrónica dentro do krautrock. Harmonia, Cluster ou Tangerine Dream, por exemplo. Falar de rock e música electrónica como se fossem duas entidades distantes já não faz grande sentido. A música é o que mais importa. Seja tocada com bateria e guitarras ou drum machines e sintetizadores, o que vale mais é se tem o efeito desejado, que tenha qualidade, que nos cative ou provoque. Há quem tenha dito, até mais que uma vez, que fazemos uma electrónica bastante orgânica, mas se isso é verdade ou não, não sei dizer!

Integram e integraram outras bandas. A idade passa e as experiências de estrada e estúdio vão-se adquirindo. Por mais que seja difícil tentar viver da música, acham que a premissa “quem corre por gosto não cansa” eleva-se ao desgaste e à desistência? Será a constante vontade de criar música o fantasma que vos persegue? 
P. Chau - Até agora parece que sim!

Conforme vamos crescendo e ficando mais velhos as curiosidades mudam e os gostos também. Se em pequeno alguém não se interessava por história, muito provavelmente o oposto poderá acontecer em idade adulta. Tu - que antes nem gostavas de sintetizadores - viraste-te para sons mais electrónicos. Tem a ver com o facto de teres vivido em Londres que se deu esse despertar?
P. Chau - Pode ter a ver com esse facto, mas não só. Londres foi sem dúvida uma experiência crucial na relação e abertura que hoje tenho com a música. Mas não só, mais tarde apercebi-me que também na minha adolescência estive próximo de gente que escutava grupos como os Kraftwerk, Cabaret Voltaire ou Nitzer Ebb. Locais como a discoteca States ou o bar Abismo em Coimbra foram também importantes. E uma das minhas irmãs, claro, através de cassetes que me ia passando. A primeira vez que ouvi Suicide numa das suas cassetes pensei para mim, - "mas que raio de música é esta!!!!". Isso de dizer que não gostava de sintetizadores era mais por desconhecimento ou por ser ainda muito novo.

"Nós somos um projecto que nunca usou computadores/laptops e não leva nada de casa pré-gravado para os concertos. Tanto a drum machine como os vários sintetizadores que o Pedro Oliveira usa são manipulados em tempo real, o que exige uma grande concentração, memória e bons reflexos. Ou seja, é tocar vários instrumentos em simultâneo. Penso que isso é de um grande esforço performativo. Claro que a bateria é instrumento mais primitivo que se aborda de uma forma mais corporal que as máquinas, que precisam de electricidade para funcionar. Cada instrumento é um desafio, tem o seu próprio som e particularidade."

© Pedro Medeiros

Há uma grande diferença entre tocar para um público que se deixa aquecer pelo ambiente punk rock directo e para um mais ambiental electrónico e mais contido... A carga energética é diferente entre um baterista que faz do seu corpo a vibração, em comparação com um que toca drum machine que não requer grande esforço performático. Não sentem falta de um público agitado nos vossos concertos? Não sentem falta dessa energia? 

P. Chau - Depende, já tivemos concertos com o público bastante agitado. Nós não fazemos música electrónica "ambiental". Temos até alguns temas bastante dançáveis. Às vezes depende em que contexto estamos ou a hora a que tocamos. Podemos ser versáteis nesse sentido. Tocar ao vivo dá-nos essa liberdade. Eu entendo o que queres dizer mas discordo um pouco quando dizes que uma drum machine não requer esforço performático. Nós somos um projecto que nunca usou computadores/laptops e não leva nada de casa pré-gravado para os concertos. Tanto a drum machine como os vários sintetizadores que o Pedro Oliveira usa são manipulados em tempo real, o que exige uma grande concentração, memória e bons reflexos. Ou seja, é tocar vários instrumentos em simultâneo. Penso que isso é de um grande esforço performativo. Claro que a bateria é instrumento mais primitivo que se aborda de uma forma mais corporal que as máquinas, que precisam de electricidade para funcionar. Cada instrumento é um desafio, tem o seu próprio som e particularidade. 

Certamente que o lado visual está presente neste vosso trabalho. John Carpenter tem despertado curiosidade a uma nova vaga de artistas, parece que os oitenta deixaram a nostalgia consumir as crianças e adolescentes que viveram nessa década. Como recriam a partir dessa influência para pensar um cenário mais futurista?
P. Chau - Apesar de haver nessas referências um imaginário ou estética que nos possa atrair, não acho que sejamos um projecto retro 80's ou synthwave com essas características. Pensar a música só a partir disso não nos pode definir nem ser o motivo da nossa existência como projecto. Penso que a música que tocamos é resultado das nossas experiências. Para mim não deixa de ser uma forma de evasão e de prazer, mas que requer trabalho e dedicação. Não há nenhum conceito nesse sentido. Não sei se interpretei bem a questão!!!

© capa disco Ghost Hunt

Não deixa de ser inevitável fazer referência a esta fase que estamos todos a viver, mas a cultura não deixa de ser um dos sectores mais afectados, porque é dos últimos a entrar em actividade no que respeita a concertos e é o que precisa de apoio público para que a máquina continue a funcionar. Acham que várias lições serão aprendidas e a partir daqui novas alternativas serão repensadas ou ficará tudo igual?
P. Chau - Penso que é difícil responder a isso. Não sei o que vai acontecer no futuro, estamos rodeados de incertezas e dúvidas. Mas espero que sim, que se aprendam algumas lições. Uma delas é a importância do SNS, que merece maior investimento e sustentabilidade de forma a responder melhor a crises como esta. De qualquer maneira penso que a prestação dos profissionais de saúde tem sido positiva.

Que boas descobertas têm feito de novas bandas que mesclam electrónica que partem de máquinas analógicas com rock psicadélico? 
P. Chau - Gosto do álbum "Stars Are The Light" dos Moon Duo. Do novo do Sonic Boom já ouvi dois temas bons. Não sou muito virado para discos só de covers, mas o "Songs of Consumption" dos ingleses Toy surpreendeu-me. Fazem umas covers muito boas da Nico, dos Stooges, do Serge Gainsbourg e até dos Pet Shop Boys. Estou-me a lembrar também de um projecto chamado C.Y.M, que lançou um ep homónimo de 3 músicas pela Phantasy Records. 

Gostariam de deixar alguma mensagem?
P. Chau - Que voltem os concertos com público e as pistas de dança. Pensem nos espaços mais intimistas, nos clubes e salas mais pequenas. É esse o circuito que devemos ajudar e não deixar morrer. E já agora, se quiserem dar alguma ajuda nesta fase difícil e sem concertos, vão à nossa página do Bandcamp e comprem o nosso single que só custa 1 euro. Muito Obrigado!

Texto e Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: Pedro Chau
Imagens: Pedro Medeiros