© Renato Sousa Renato Sousa aparenta um ar calmo e contemplativo. Voltado agora para géneros musicais mais populares, engane-se que...

Renato Sousa e a transição do heavy metal para o jazz e a bossa nova

© Renato Sousa

Renato Sousa aparenta um ar calmo e contemplativo. Voltado agora para géneros musicais mais populares, engane-se quem acha que o guitarrista não andou também por terrenos mais bravos. Goreganta Funda, Campa, Monogono, Löbo, Felattio, Infernal Overkill, são muitos os projectos com os quais se ocupou. 

Com formação musical, o setubalense domina o instrumento de 6 cordas com distinção, mas também ensina as várias técnicas. Agora mais voltado para a Bossa Nova e o Jazz, é possível seguir a sua página de facebook e apreciar momentos de puro deleite apenas a uma guitarra.

Renato, já não falava contigo há muito tempo. Como tens sobrevivido a este tempo atípico?
... verdade, já lá vai algum tempo! Enfim com muita paciência e pensamento positivo, não há propriamente grande alternativa. Todos os concertos marcados foram claro cancelados, deixando-me numa situação quase de total perda de rendimentos. Mas apesar disso tenho tentado aproveitar o tempo "livre" para estudar, compor, e também aprender a desempenhar o meu novo papel de "professor". Por causa desta situação resolvi começar a dar umas aulas online, e felizmente tem aparecido muita gente interessada. Tem sido uma experiência sem dúvida enriquecedora e tudo indica ser para continuar.

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Há quem diga que a cultura é o patinho feio da distribuição do investimento público, o mais negligenciado, e em tempos de Covid é o maior companheiro que neutraliza e devolve alguma saúde mental. Achas que haverá alguma mudança no que respeita ao investimento ou achas que tudo ficará na mesma?
Confesso que tenho muito pouco conhecimento de causa, mas assim à primeira vista diria que tudo vai ficar na mesma.
A cultura é sem dúvida um componente essencial da qualidade de vida de qualquer sociedade. Estimula o desenvolvimento emocional e intelectual (pelo menos parece-me), aproxima pessoas e comunidades, enfim tem uma miríade de resultados positivos a nível pessoal e social. Mas não é um bem essencial "imediato". Ninguém vai precisar urgentemente de um músico como precisa de um médico ou bombeiro. 

A arte e cultura são entretenimento, essenciais a longo prazo, mas não no curto prazo. Por essa razão parece-me que a tendência irá ser continuar a deixar as migalhas do orçamento para a cultura. Compreendo que em situações de "aperto" orçamental essa seja a resposta mais comum, mas ao longo de décadas um país que renega sistematicamente a cultura certamente tenderá ficar mais pobre tanto espiritualmente como intelectualmente. 

O teu percurso musical estava mais virado para géneros mais extremos. Como e porque se dá essa transição que passa do heavy-metal para o jazz e bossa nova? 
Desde cedo que o jazz mais moderno me atraiu. Lembro-me de ser miúdo (praí com uns 13, 14) e ouvir Sepultura aos altos berros no quarto enquanto abanava o "capacete", e logo de seguida ouvir John Scofield (guitarrista de jazz) e ficar sentado na cama a ouvir o álbum inteiro, completamente deslumbrado com aquelas melodias estranhas e exóticas! 
No entanto quando chegou a altura de fazer bandas com os amigos, toda a gente (incluindo eu) queria tocar o mais alto que conseguisse na garagem. Então acabava por ser difícil tocar outro estilo que não Heavy Metal ou Rock. Mais tarde comecei a apaixonar-me pela guitarra clássica e pela maneira como alguns guitarristas conseguiam improvisar e compor sozinhos na guitarra, sem mais nenhum instrumento, e mesmo assim fazer-te parecer que estavas a ouvir uma banda inteira ou uma orquestra! Então comecei a explorar algumas peças clássicas e muitas canções de Bossa-Nova, que é um estilo muito propício de adaptar em arranjos de uma só guitarra. 
Hoje em dia tento combinar a vertente mais clássica, com o Jazz, a Bossa Nova e enfim muitas outras coisas. Mas sem dúvida que o meu instrumento predilecto neste momento é a guitarra clássica.

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Ensinas também pessoas a compreender e a dominar a guitarra. Neste momento estás mais dedicado à pedagogia ou à composição? 
Neste momento ocupo mais do meu tempo a dar aulas do que a compor. Tenho estado debruçado sobre os métodos que posso usar para ajudar os alunos a compreenderem a guitarra de uma maneira intuitiva e musical. Isto de ensinar é realmente muito complexo! Nos meus tempos livres tenho estudado algumas composições clássicas e feito bastantes arranjos de canções de que gosto. Agora estou mais num período de absorção e estudo. O próximo passo será talvez um álbum original apenas na guitarra acústica. Tenho imensas ideias registadas, é uma questão de fazer uma selecção e começar a desenvolver os temas quando sentir que chegou a altura certa.

Dificilmente ainda vemos mulheres a tocar guitarra em Portugal, esta questão é apenas uma curiosidade; tens alunas que querem aprender a tocar não apenas por hobby mas que têm em vista a profissionalização? 
Na verdade tenho mais alunas do que alunos!! Penso que algumas delas têm sem dúvida potencial para terem uma carreira artística se assim o desejarem.

Tenho observado que tens tocado mais guitarra acústica do que eléctrica. Tens tocado as duas variantes ou queres cada vez mais focar-te na acústica? 
Como já o disse anteriormente, neste momento estou num processo de descoberta da guitarra acústica. Mas é-me impossível meter a eléctrica de lado. Quanto mais sei sobre isto de tocar guitarra, mais compreendo a diferença que existe entre estes dois instrumentos. Ambos me dão ferramentas de expressão melódica e harmónica imensamente diferentes que consoante a situação vou querer usar.

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As tuas guitarras foram transformadas para servirem os teus propósitos sonoros, ou continuam iguais ao formato original? 
Assim a coisa mais "fora da caixa" que usei numa guitarra eléctrica foi um pick up midi que me permitia ligar directamente a um sintetizador digital. E não usava dois sinais em paralelo, o sinal normal que ia para o amplificador de guitarra e o sinal do sintetizador. Permitia-me fazer coisas como ter um som de guitarra incrivelmente pesado com distorção e depois um sintetizador a dobrar o mesmo riff (com sons de synths vintage). Usei bastante este set-up quando tocava nos Ash is a Robot. E se voltar a tocar com alguma banda com elementos mais prog, vou sem dúvida usar este rig. 

Temos uma rubrica intitulada Bagagem, poderás sugerir 5 guitarristas que consideras referência para ti? 
- Baden Powell
- John Scofield
- Robert Fripp, King Crimson
- Steve Howe, Yes
- Kurt Rosenwinkel

Por último, como olhas para o futuro da cultura em Portugal?
Eu acho que a nível de criação, nós temos um país rico. 
Artistas florescem por todos os lados, hoje em dia com a facilidade de acesso à informação, cada vez mais a pessoa comum consegue aprofundar a sua arte a um nível que antigamente só estaria disponível para as elites. A esse nível, da criação, acho que o futuro é risonho. Agora, o que é incerto para mim é a importância que tanto o público como o Estado vão dar aos artistas portugueses. Quanto a isso não faço ideia, só sei que enquanto puder vou continuar a tocar guitarra o dia todo. 

Texto e Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: Renato Sousa
Imagens: © Renato Sousa
Observações: para aulas de guitarra com Renato Sousa, contactá-lo via fb.