Cartaz: This is not a Film, de Jafar Panahi This is not a film | Isto Não É um Filme,  de Jafar Panahi ajuda-nos a perceber como a criativi...

Breaking the Fourth Wall: This is not a Film (2011) - uma declaração de resistência criativa em face à tirania e um documento de liberdade intelectual sob a coação política

Cartaz: This is not a Film, de Jafar Panahi

This is not a film | Isto Não É um Filme, de Jafar Panahi ajuda-nos a perceber como a criatividade e a concretização de ideias que se julgam ficar em suspenso por tempo indeterminado são possíveis de serem materializadas quando olhamos para o que Jafar Panahi consegue fazer, mesmo confinado em casa por causa do regime do seu país, o Irão. Mesmo castrado e oprimido pelas forças governamentais que o impedem de concretizar o seu filme sujeito a uma série de alíneas que determinam o que o realizador pode ou não fazer, o realizador iraniano não se coíbe de ser personagem de um Não Filme e mesmo que o décor seja o tapete da sala da sua casa. 

Este filme aponta essencialmente para dois sentidos, o do confinamento e o da censura política. O Irão desde os anos 70 tem sofrido uma grande instabilidade política que tem posto em cheque o direito à liberdade de expressão, de imprensa, artística e de género, como tantos outros. Por exemplo, por um lado é um país que persegue os homossexuais, mas apoia a mudança de sexo porque o governo ganha dinheiro com essas cirurgias - sendo que a mudança de sexo não é pecado para a religião vigente do país. A opressão política tem continuamente levado vários iranianos a sair do país e jovens a ir para as ruas protestar. 

O iraniano realizador Jafar Panahi na sua sala de estar da sua casa em Teerão

Rapidamente entendemos que a obra de 75 minutos de Jafar Panahi faz paralelismos com este cenário surrealista de hoje, tanto o político, quanto o de saúde pública, mas o que ressalta é o humor subtil e surreal presente neste ensaio. A pergunta que se faz é, quem são os maiores censores? 

Este ensaio em vídeo foi gravado em Teerão, quando Panahi, um dos principais cineastas iranianos da década passada, estava sob uma agressão legal do seu governo, que incluiu o confisco do seu passaporte, a ameaça de uma longa pena de prisão e proibição de fazer filmes.

Com o cuidado de obedecer à letra desse liminar - e, assim, expor o absurdo e também a mesquinhez do do poder político iraniano - Panahi não escreveu um roteiro nem empunhou uma câmara em tamanho real. Um colega, Mojtaba Mirtahmasb (creditado como codiretor), chega ao seu apartamento para filmar, e Panahi restringe as suas actividades a falar, gravar com o seu iPhone, comentar sobre alguns dos seus filmes anteriores e ler em voz alta guiões existentes. Portanto, se este não é um filme, é, entre outras coisas, uma declaração de resistência criativa em face à tirania e um documento de liberdade intelectual face à coação política.

Na década de 1990 e nos primeiros anos deste século, cineastas iranianos como Mohsen Makhmalbaf e Abbas Kiarostami, o antigo mentor de Panahi, misturaram investigação social com autoconsciência formal numa série de experimentações que culminaram na invenção de um novo estilo que mistura documentário, realismo social e visão poética.

Jafar Panahi com a sua iguana na sala de estar da sua casa em Teerão

Isto não É um Filme aborda a vida de um homem de meia-idade vagueando por um apartamento espaçoso e elegante que pode ser a casa de um intelectual cosmopolita de classe média em qualquer lugar do mundo, cheio de livros, arte, electrodomésticos de última geração e outras coisas. O homem, cuja família visita parentes, conversa com o seu advogado ao telefone, cuida da iguana de estimação da sua filha e assiste a alguns dos filmes que fez na altura em que tinha permissão para exercer a sua profissão. Às vezes deixa transparecer a sua ansiedade e cansaço, mas principalmente parece considerar a sua situação com estoicismo e certa diversão. Claramente, este homem, está mais acostumado a observar e a reflectir sobre as acções dos outros do que a ser o centro da acção. E então faz as duas coisas, transforma um diário de vídeo altamente pessoal numa narrativa histórica carregada e expansiva. Não há enredo (não é um filme, afinal), mas, ainda assim, há uma reviravolta incrível no final, seguida por um leve tremor de admiração. 

Este não filme é já por si um documento incrível para perceber os efeitos que um regime autoritário desencadeia nas várias vidas - artística, social, política. Neste momento, em que se vive agitações de todos os lados, visualizar este filme poderá ser relevante para percebermos como se resiste a momentos de coação tirana e aos abusos de poder que nem sempre se ficam pela política.

Texto: Priscilla Fontoura
Breaking the Fourth Wall: This is not a Film, de Jafar Panahi