Palavras-chave:  genéricos, séries, bandas-sonoras, anos 80 e 90, televisão Introdução O toque do bolo da avó, a maneira como o pai cozinha ...

Recordar é viver: de olhos fechados sabemos de cor e salteado as séries só de ouvir o tema do genérico. Life Goes On, Twin Peaks, Saved by the Bell, MacGyver, Beverly Hills 90210 fazem parte do bolo de uma época (Parte 1)

Palavras-chave: genéricos, séries, bandas-sonoras, anos 80 e 90, televisão

Introdução
O toque do bolo da avó, a maneira como o pai cozinha a sopa, ou a mãe a tarte faz com que aquele sabor não se iguale a mais nenhum. E o cheiro? Sim, é característico e reaviva as memórias. É esse conforto familiar que nos alimenta o espírito e mata a saudade. O mesmo acontece com as séries que se tornaram clássicas pelos temas dos genéricos. Quem nunca escolheu o tema do genérico dos Simpsons para o toque do telemóvel, com aquele saxofone tão singular de Lisa? Ou o toque pontilhado das teclas do tema Ob-La Di, Ob-La-Da do genérico de Life Goes On? Para reavivar um pouco a programação das TV's portuguesas, partilho alguns genéricos de séries dos idos anos 80 e 90, com temas musicais que nos fariam recordar os momentos áureos e, às vezes, tão ambientalmente soalheiros e/ou crepusculares. Nesta altura, os genéricos eram tão ou mais importantes que a série, e o primor que se dava tanto para escolher as imagens e os temas, faziam o genérico de cada série uma combinação perfeita. Quem é geek suficiente para, de olhos fechados, alinhar num quizz e tentar adivinhar os temas dos genéricos das séries? E não é que há um jogo por aí

Life Goes On

Ob-La Di, Ob-La-Da, Life Goes On - tema de Beatles, Série Life Goes On criada por Michael Braverman (1989)

Na era em que a TV era realmente um mundo mágico para as crianças e adolescentes, depois do almoço (julgo eu), era emitida a série Life Goes On, na RTP1. A série agarrava já desde o genérico que começava com o tema Ob-La Di, Ob-La-Da. Apesar da excelente melodia ter sido composta por Paul McCartney e creditada pelo duo Lennon-McCartney, o tema tornou-se viral em muitos países, curiosamente foi sucesso nomeadamente na Austrália, Japão, Nova Zelândia, Suíça e na Alemanha Ocidental e um quanto ignorada nos EUA e Reino Unido. O tema foi, também, reproduzido por outros nomes tais como: a cubana Celia Cruz, Ken Lazarus e os escoceses Marmalade - esta versão foi número um nas tabelas do Reino Unido.

Ob-La Di, Ob-La-Da converte os corações mais soturnos num momento que se deixa inflamar pela dança e leveza. O tema teve como influência o ska jamaicano e o nome é uma apropriação de uma frase popularizada do músico nigeriano residente em Londres Jimmy Scott.

 

Pensa-se que a versão da canção foi gravada pelos personagens da série, no entanto o actor Chris Burke, que figura Corky, teria um disco com a canção gravada por crianças. As teclas mais graves da melodia, e as agudas a preencher o ritmo, reforçam o ambiente daquele genérico de uma família americana, que podia contar com o seu jornal à entrada da porta de casa atirado pelo estafeta. Podemos ver esboçado o acordar de uma rotina de uma família vulgar e uma montagem que ilustra as características de cada membro. 

Life Goes On encheu muitas casas de felicidade. A série americana, emitida pela ABC, centrava-se na família Thatcher que vivia no subúrbio de Chicago: Drew, a sua mulher Elizabeth e os filhos Rebecca e Charles, conhecido como Corky. Life Goes On foi a primeira série televisiva a ter como personagem principal um actor com síndrome de Down. Se quiserem saber o percurso de vida de cada uma das personagens, podem clicar aqui e saciar a curiosidade.

Twin Peaks

O tema de Laura Palmer de Angelo Badalamenti; Twin Peaks - Série criada por Mark Frost e David Lynch (1990)

Quando os temas dos genéricos são tão bons ou melhores do que a imagem, pode-se dizer que quem a compôs é como o orador que abre a peça de teatro e profetiza um bom augúrio do que ali vai acontecer. Angelo Badalamenti soube interpretar bem a "balada" da série Twin Peaks, a prequela da série de televisão Twin Peaks, e o retorno lançado em 2017. O tema do genérico é registado por camadas sonoras de um órgão que toma tanto a melodia de uma voz, quanto do ambiente sinistro que perfaz o contexto desta série.

Segundo "conta a lenda", David Lynch estava a contar a história de Twin Peaks. Era 1989 e o realizador estava sentado ao lado do compositor Angelo Badalamenti ao teclado de um Fender Rhodes no escritório deste último em Manhattan. Lynch e o argumentista Mark Frost estavam prestes a rodar Twin Peaks, uma soap opera que expõe o assassinato ocorrido numa pequena cidade no noroeste do Pacífico dos Estados Unidos. A dupla precisava de um ambiente sonoro. Na cabeça do realizador, a música, o imaginário e a narrativa teriam que estar totalmente interligados de modo a que nem se percebesse a separação de cada um dos mediums, então David Lynch, qual psicanalista a tentar hipnotizar o paciente, convida o músico a entrar no mundo da série e imaginar que estava sozinho na floresta à noite. O vento soprava, uma coruja piava. Badalamenti escolheu um motivo baixo e sinistro. "Mais devagar", disse Lynch; “Apenas desacelera e fica mais bonito. Agora, imagina uma adolescente angustiada emergindo da escuridão, aproximando-se". Badalamenti subiu continuamente no teclado, resolvendo a melodia num alto êxtase antes de cair de volta na noite. Demorou apenas 20 minutos e Badalamenti sugeriu desenvolvê-lo ainda mais, mas Lynch respondeu: “Não mude uma única nota. Eu vejo Twin Peaks.” Eles tinham acabado de escrever o tema de Laura Palmer.


As composições de Badalamenti têm sido utilizadas como banda-sonora para os álbuns: Soundtrack from Twin Peaks (1990), Twin Peaks: Fire Walk with Me (1992), Twin Peaks Music: Season Two Music and More (2007) and Twin Peaks: Limited Event Series Original Soundtrack (2017). O tema de Badalamenti e a banda-sonora de Twin Peaks têm recebido aclamação da crítica e é referido como modelo de música de filme idealmente combinado com as imagens e as acções que destaca. Este tema principal da série recebeu um Grammy para a categoria de Melhor Performance Instrumental do género Pop em 1991. A partir de Março de 2011, David Lynch começou a distribuir The Twin Peaks Archive, uma colecção de canções inéditas e não utilizadas, disponibilizadas no seu site oficial para download digital. No total, foram disponibilizadas 215 faixas para download. Assim como a série de David Lynch inspirou uma nova forma de TV, a trilha sonora de Angelo Badalamenti ecoou ao longo das décadas, adquirindo vida própria.

Baywatch

I am Always Here aka I'll be Ready co-escrito por Jimi Jamison, Joe Henry, Cory Lerios e John D'Andrea; Série Baywatch - criada por Michael Berk, Gregory J. Bonann, Douglas Schwartz (1989)

Quem nunca brincou, enquanto corria na areia a imitar um dos nadadores-salvadores de Baywatch? O tema desta série, emitida ao final da tarde nas nossas televisões, deixava qualquer um/a bem disposto/a. Todo o imaginário de Baywatch - série que utilizava product placement sem qualquer contenção - acontecia na baía Emerald, na Florida, frequentada por uma multidão que se expunha ao sol.


Mulheres bonitas e em forma, a correr na margem do mar com os seus maillots vermelhos, bem anos 80/90, serviam de pano de fundo ao lado de Mitch Buchannon (David Hasselhoff), um nadador-salvador veterano, dono de um sorriso icónico que zelava pelos mais jovens salva-vidas, incluindo Casey Jean Parker (Pamela Anderson), essa mulher que fez parte do imaginário platónico de tantos rapazes e raparigas, enquanto mantinham as praias seguras para os turistas. A série fez nascer o filme Baywatch, lançado em 2017, realizado por Seth Gordon.

O tema motivacional serve como mote para Baywatch, I'm Always Here co-escrito por Jimi Jamison, Joe Henry, Cory Lerios e John D'Andrea, mistura a batida sintética com teclas e guitarra eléctrica - todo este conjunto subentende um enredo primário - começa com um ambiente bem-humorado para acabar a solucionar um problema ocorrido muitas vezes em alto mar. Com a frase "Não vou perder-te de vista", esta é uma canção apropriada para uma série de TV sobre salva-vidas. Uma versão instrumental foi usada como tema de encerramento das temporadas 6 a 9 e uma versão instrumental diferente foi usada como tema para a temporada 10 (a primeira temporada de Baywatch: Hawaii). Existem mais versões do tema, serve de exemplo a da banda electrónica Sunblock que lançou um remix em 2006, atingindo o 12º lugar das tabelas. Na minha opinião uma versão muito parola que apela à fuga a sete pés, na possibilidade de se estar numa emissão festa de praia The Grind (MTV)

Saved by the Bell

Tema de Saved by the Bell (Já Tocou) criado por Scott Gale e interpretado por Michael Damien; série criada por Sam Bobrick (1989)

Fomos há pouco tempo notificados que faleceu Dustin Diamond (Samuel 'Screech' Powers), actor da série Saved by the Bell, e que tinha como um dos últimos desejos conhecer Justin Chancellor, baixista de Tool, pois andaria, na última fase da sua vida, aprender a tocar temas da banda. Saved by the Bell era emitida no final da tarde e como eu gostava desta série que conta com 4 temporadas. Transmitida na TVI, entre 1993 e 1996, a série acontece na escola secundária Bayside e reúne um grupo de adolescentes a cometer peripécias próprias da idade.


O tema do genérico de Saved by the Bell foi composto por Scott Gale e interpretado por Michael Damien, a versão para a série é mais curta que a versão original, devido a restrições de tempo - um belo rock com swing catchy

O elenco apresenta estereótipos comuns familiares das séries norte-americanas da altura. Este spin-off de Good Morning, Miss Bliss foi tão bem sucedido, que acabou por gerar mais dois Saved by the Bell: The College Years e Saved by the Bell: The New Class, como também dois telefilmes Saved by the Bell: Hawaiian Style e Saved by the Bell: Wedding in Las Vegas. Zachary 'Zack' Morris (Mark-Paul Gosselaar) era o miúdo com sorriso traquina com que todas as meninas da altura imaginavam para namorado do liceu e as covinhas de Albert Clifford 'A.C.' Slater (Mario Lopez)? Bons velhos tempos... Quem curtir reimagining's aqui tem, não é um reboot, é baseada na série original.


MacGyver

Tema para a série MacGyver composto por Randy Edelman, série criada por Lee David Zlotoff (1985)

Chamem o MacGyver que ele resolve qualquer problema que parece não ter solução. MacGyver era uma espécie de caixa de socorros para quebrar o galho nos momentos de (sério) enrasque. Fios, navalhas, isqueiros, you name it!, MacGyver com quase nada era o milagreiro. Ao Domingo à tarde, mal ouvíssemos aquele tema tão clássico, era como um despertador para anunciar que começava a série de acção e cujo enredo terminaria sempre com final feliz resolvido pelo protagonista. Randy Edelman é o cérebro por detrás do tema que se suporta em sintetizadores (remete um pouco para Carpenter o efeito inicial, e, sem dúvida, para a Final Countdown dos Europe) e teclas, um lugar comum (composicional) daquela década que inspira ao sentimento de que tudo no final resolve-se. Segundo as pesquisas, o tema foi composto com um teclado Yamaha MOXF8, um canivete suíço, fita adesiva e pastilha elástica.

Foi feito um reboot de MacGyver, mas, como se seria de esperar, o tema tornou-se intocável para os produtores pelo valor datado que tem. Junto com as sequências dos títulos de abertura, os programas de TV podem formar uma memória na mente das pessoas que sempre associarão a esse programa específico, mesmo que não o assistam regularmente.

 

O nome Randy Edelman é sonante na indústria do cinema, o músico, produtor e compositor iniciou a sua carreira como membro das orquestras da Broadway, mas não tardou a compor os seus próprios álbuns. O seu trabalho também inclui-se em filmes de comédia e acção. O músico já foi premiado muitas vezes.

Angus Macgyver (Richard Dean Anderson) protagoniza a série de acção/aventura criada por Lee David Zlotoff. A série segue as aventuras de MacGyver, um agente secreto armado, com notável desenvoltura científica para resolver quase todos os problemas usando materiais vulgares à mão. Esta série teve uma legião de seguidores, sendo que, muito provavelmente, alguns tentaram imitar o talento deste senhor com um corte de cabelo muito peculiar, mas como já diz o alerta: Don't try this at home!

Beverly Hills 20210

Tema para Beverly Hills 90210 criado por John Davis e John E., série criada por Darren Starr (1990)

Há quem diga que quem viveu a adolescência nesta época, nunca recuperou muito bem da síndrome Peter Pan; talvez aconteça com todas as gerações sentir nostalgia, no entanto, a cultura popular e tudo o que a mesma engloba: as cores garridas, acessórios, TV, música tão marcada por efeitos; toda a magia dos 80 e 90 representa uma época nunca antes vista. São oito os que aparecem no genérico de Beverly Hills 20210 e representam os padrões presentes na sociedade adolescente. Esta série foi acompanhada por todos os que na fase da puberdade começavam a questionar-se sobre as questões sociais: sexo, violação, homofobia, alcoolismo, abuso de drogas, violência doméstica, HIV, distúrbios alimentares, anti-semitismo, direitos dos animais, racismo, suicídio, gravidez na adolescência, além de se debruçar também nas relações românticas e de amizade. O programa é creditado com a criação ou popularização do género drama adolescente, fórmula de sucesso e que inspirou outras séries posteriores.

Criada por Darren Starr, a febre Beverly Hills 90210 tornou-se um fenómeno da cultura pop, influenciou tanto a moda como os protagonistas tornaram-se ídolos para alguns adolescentes, e recordam os Bollycao que vinham com autocolantes? A premissa inicial partiu da história dos irmãos gémeos Brandon (Jason Priestley) e Brenda (Shannen Doherty) que mudaram-se de Minneapolis para Beverly Hills, o lugar do sol, das palmeiras e mansões luxuosas.


O tema do genérico foi composto por John Davis e John E. e interpretado por John Davis. Tal como os jovens rebeldes, a canção tem como estrutura guitarras eléctricas com feedbacks género rock 'n roll. Consta que os produtores executivos da Fox odiaram o primeiro tema apresentado para o genérico, por isso telefonaram para John Davis a ver se o mesmo podia compor algum tema. Sem dormir, Davis começou a produzir uma melodia que reflectia a combinação marcante da série que seria contemporânea e saudável. Segundo Davis, “O tema precisava ser contemporâneo, mas também ter alguma aparência de coração, então tentei usar os dois elementos. Há duas sensações - primeiro o rock and roll e, no final, fica um pouco mais doce, foi a minha homenagem aos valores familiares da série”. O tema no fundo é um mix de guitarra, saxofone, sintetizador e piano. O compositor apresentou a faixa aos executivos na manhã seguinte, que “adoraram”. Foi feito um revival Beverly Hills, mas foi cancelado pela Fox.

(Continua...)

Texto Priscilla Fontoura