Violeta Parra Nunca fez tanto sentido destacar uma das mulheres que influenciou tanto o seu país como o mundo. Fala-se da chilena Violeta Pa...

Wunderkammer: Violeta Parra e uma vida cheia de graça

Violeta Parra

Nunca fez tanto sentido destacar uma das mulheres que influenciou tanto o seu país como o mundo. Fala-se da chilena Violeta Parra. Finalmente, começa a vislumbrar-se a premissa "The Future is Female - O Futuro é Feminino" ou "O Futuro é também Feminino" — pois é urgente observar uma maior representatividade feminina — só assim se fazem valer os direitos na prática. A ideia não passa por separar ou comparar géneros, mas fazer uma chamada de atenção pela luta, que, parecendo ainda perene, continua a fazer sentido, tanto pelo direito de equidade tanto de igualdadesó assim se reescreve uma História equilibrada e constrói-se uma sociedade mais justa.

Reconhece-se, no entanto, ao longo da história mulheres anónimas e outras mais expostas ao escrutínio público pelos seus talentos que a pouco a pouco moldam a diversidade positiva na construção de uma sociedade mais alternativa, como também cada vez mais necessária. Violeta Parra, além de cantautora, foi também artista plástica e a primeira latina americana a expor no museu do Louvre. Em 2017, Violeta Parra celebrou um século de existência que a google tão bem homenageou visualmente falando.  



Google Doodle para homenagear o centenário de Violeta Parra a 4 de Outubro de 2017.

Violeta. Dela, para ela, escreveu Pablo Neruda:
Que amor a mãos cheias
recolhias pelos caminhos:
arrancavas cantos das fumaças,
fogo dos velórios,
participavas na mesma terra,
eras rural como os pássaros
e às vezes atacavas com relâmpagos

Um dia Parra disse a Ivonne Brunhammer: "Acha que posso acomodar-me no showroom para cantar e bordar?" Assim fez Parra, sentou-se no chão, cantou e bordou diante dos olhos maravilhados do público.
Violeta Parra, Cartaz, 1964, Colecção Museu Violeta Parra, Santiago, Chile.


Parra popularizou o folk no Chile
Em Abril de 1964, o Museu de Artes Decorativas do Palácio do Louvre, em Paris, acolheu uma exposição extraordinária que ficou para a história como a primeira mostra individual de uma artista latino-americano. A artista era uma mulher, a chilena Violeta Parra, que tecia canções e tapeçarias lendárias. Parra iniciou a sua carreira como musicista e compositora. Nos anos 50 popularizou muito o género folk no Chile. Faleceu em 1967 cometendo suicídio e, consequentemente, a sua comovente canção Gracias a la Vida, criada no mesmo ano, tornou-se um hino de destaque; foi também uma inspiração para o género musical de protesto nueva canción chilena e uma grande influência nos movimentos revolucionários no Chile nas décadas de 1960 e 1970.

A cantautora de música popular chilena, tornou-se a voz mais conhecida das décadas de 50 e 60. Com canções engajadas e líricas, tornou-se uma referência musical, não só no seu país mas na América latina e no mundo. 

Violeta Parra
Violeta del Carmen Parra Sandoval nasceu a 4 de Outubro de 1917 numa pequena cidade no interior do Chile. Era filha de uma costureira e de um professor de música de ensino básico. Parra teve uma infância economicamente carente, mas repleta de sons. Costumava ouvir as cantigas tradicionais entoadas pela mãe e o violino do pai. Ainda criança, aprendeu a tocar guitarra e começou a compor canções. Ainda adolescente atendeu à vontade dos seus irmãos e mudou-se para a capital do Chile, decidindo, nessa fase, deixar os estudos e passou a representar em circos, restaurantes e clubes. Cantava boleros e rancheras com o grupo da família Los Parra. Em 1940 teve dois filhos com o primeiro marido, um ferroviário e militante comunista. Viajou de norte a sul do Chile acompanhada por um grupo de teatro do qual integrava, mas foi a partir de 1950 que começou a ser reconhecida, nacional e internacionalmente, pela música popular chilena. Com o incentivo do irmão, o poeta Nicanor Parra, mergulhou fundo na pesquisa da tradição folclórica do seu país, e deixou de lado o repertório mexicano, peruano e espanhol de anteriormente. Parra casou-se novamente e teve mais duas filhas. Fundou nessa altura um museu dedicado ao folclore chileno. Em 1950 gravou diversos discos com canções camponesas e composições próprias. Foi a festivais na Europa, fez concertos em Paris, Londres, Roma. As suas canções tinham arranjos simples: geralmente, apenas a voz e a guitarra, falavam de amor e da vida comum no campo, mas também denunciavam a pobreza e a desigualdade social. No começo dos anos 1960, Violeta Parra já era famosa no Chile e no mundo, ao lado de figuras como Pablo Neruda. 

Parra dedicou-se a outras formas de Arte

Em 1959, adoeceu. Obrigada ao repouso, começa a desenvolver o seu talento como artesã. Assim, experimentava outras formas de arte. Começou a bordar tapeçarias, fazer cerâmica e pintar quadros. Viveu em Paris em 1962. Como cantora, viajou pela Europa divulgando a música chilena e instrumentos de origem indígena. Radicalizou, também, a temática social das suas canções. Dessa feita, inspirou o nascimento Nuevo Cancionero, movimento musical que teve à frente nomes como Victor Jara e os seus filhos, Ángel e Isabel Parra. Em 1965 voltou ao Chile. Em 1966, gravou algumas das suas mais conhecidas canções como Volver a los 17 e Gracias a la vida. Cantora de sucesso, Violeta Parra sofria com crises depressivas. Em 1967, aos 49, pôs termo à vida. Identificada com lutas camponesas e estudantis, a sua obra foi posteriormente escondida e negada pelo regime militar chileno (1973-1990), mas o seu legado permaneceu vivo. Violeta Parra foi regravada por artistas como Carlos Puebla, Mercedes Sosa, Milton Nascimento e Elis Regina. No seu centenário, é homenageada e lembrada como uma das figuras mais importantes da história da América Latina. 


Tapeçarias Chilenas de Violeta Parra
A escultura e a pintura devem ter sido uma experiência multissensorial. Durante as cinco semanas de exposição no Louvre, seria fácil encontrar Parra, que ia ao museu todos os dias a conversar com os visitantes. Lá, continuou a trabalhar nas suas tapeçarias, a tocar guitarra, a cantar e até a servir empanadas! Além disso, o seu trabalho plástico incluía não apenas arpilleras (serapilheiras com lã), mas também esculturas de arame e pinturas. A artista não teria limites para fazer nascer o seu imaginário, tocava e cantava canções tristes e expressivas, inventava à medida que bordava, pequena e morena, simples e complexa, como uma figura de Lorca, ou com uma das suas esculturas, onde o emaranhado de fios metálicos faz brotar dores douradas de uma árvore negra.

Violeta Parra, Árvore da Vida (Árbol de la vida), 1960, Colecção Museu Violeta Parra, Santiago, Chile.

Porém, a exposição poderia não ter acontecido. Inicialmente, o comité de seleção rejeitou a inscrição de Parra. Somente quando um dos funcionários do museu pediu que reconsiderassem a sua decisão, o comité concordou e a mostra foi adiante. Entre essas incertezas, Parra perdeu a fé e a certa altura até duvidou de si mesma. Em carta a Amparo Claro, lê-se:

"Como eu poderia fazer uma exposição no Louvre, eu, a mulher mais feia do planeta, que vem de um país minúsculo, de Chillán, o fim do mundo?"

Apesar das dúvidas sobre as suas capacidades e beleza (a sua pele estava marcada pela varíola infantil), Parra era forte e consciente de seu próprio talento. Uma vez, ao passear perto do Palais du Louvre com o seu amigo Alejandro Jodorowsky, Parra disse-lhe: 
"Sou apenas uma mulher pequena, mas este edifício não me impressiona. Guarda as minhas palavras: em breve, vais ver os meus trabalhos expostos aqui.".
Não é pois caso para dizer: muita parra e pouca uva.

Violeta Parra, Contra a Guerra (Contra la guerra), 1962, Colecção Museu Violeta Parra, Santiago, Chile.

Violeta Parra, O Homem (El hombre), 1962, Colecção Museu Violeta Parra, Santiago, Chile.


Texto: Priscilla Fontoura 
Fontes: 
https://www.elmostrador.cl/cultura/2020/02/04/violeta-parra-en-el-louvre-habla-la-conservadora-que-la-acogio-en-1964/