Palavras-chave: Field recordings , som, natureza  Resumo: Os sons gravados fora de estúdio ou ambientes controlados, podem tratar-se d...

As dimensões do som: Field Recordings

Palavras-chave: Field recordings, som, natureza 

Resumo:
Os sons gravados fora de estúdio ou ambientes controlados, podem tratar-se de experiências imersivas em paisagens naturais, industriais ou até relatar o quotidiano de um taxista em Nova Iórque, uma comunidade de esquimós ou o dia-a-dia de um cãozinho. Denominadas como field recordings, estas gravações podem servir de base para música electrónica de índole exploratória ou até como registos sonoros etnográficos. O som apresenta-se com a mesma densidade icónica como uma colagem de fotografias ou até experiências em vídeo. O som é riquíssimo na sua génese e dele podemos retirar e absorver as experiências de outros.


1- Chris Watson – Stepping into the Dark


A captação de sons naturais ou de animais é usualmente usada para finalidades meditativas ou para fundos sonoros para o relaxamento. No entanto, há nomes como Chris Watson que se especializaram na captação de paisagens sonoras e que conseguem recriar com fidelidade e sem artifícios os ambientes bucólicos em que colocam os seus microfones e gravadores. Este é o primeiro disco de Chris Watson e centra-se principalmente em locais remotos em Inglaterra, Alemanha, Escócia na Europa, e em outros continentes como Costa Rica, Kenya e Venezuela. Estas paisagens sonoras com a inclusão de cantos e barulhos de diversos pássaros criam no ouvinte uma sensação de imersão total nos ambientes sonoros, fazendo com que muito possivelmente as recriem visualmente nas suas mentes. É um trabalho fiel e fidedigno aos ambientes que captura e que desafia as regras do tempo cronológico, sendo que quando o ouvimos imaginamo-nos efectivamente nessas mesmas paisagens.

2 - Peter Cusack – Sounds from dangerous Places


Peter Cusack é o que se pode definir como jornalista sónico. Existe uma equivalência no universo do som à actividade popular do foto-jornalismo, só que em vez de se usar a máquina fotográfica e as lentes, usam-se microfones e gravadores. Peter Cusack visitou algumas das regiões desoladas fruto de catástrofes naturais ou nucleares e capturou a essência dos seus sons. Explorou sonoramente Chernobyl, Pripyat, assim como as operações de extracção de petróleo no Azerbaijão. É um registo longo de gravações que sublinha as consequências nefastas dos danos ambientais que o ser humano tem causado ao longo dos tempos no planeta Terra. O registo sonoro vem também acompanhado com fotografias e entrevistas a residentes, académicos e responsáveis oficiosos. Um trabalho que não é para audição casual, mas que é um registo importante da influência nociva que o Homem tem no ambiente.  

3 - Okkulte Stimmen: Mediale Musik - Recordings of Unseen Intelligences 1905-2007


Esta compilação de gravações é soturna, críptica e tem o seu quê de ameaçador equiparável a discos de dark ambient. É uma box com três cd’s que se dividem entre discursos de mediums em séances alegadamente a servir de veículo para espíritos do além, vozes de crianças supostamente possuídas por entidades infernais, momentos de xenoglossia e glossolalia, música paranormal e registos sonoros de supostos barulhos em locais ou casas assombradas. São gravações que abarcam várias décadas de fenómenos paranormais e de suposto contacto com o mundo invisível. Interessante para amantes de parapsicologia ou estudiosos e/ou fãs do paranormal.

4 – Jim Nollman – Playing music with animals


Provavelmente um dos melhores discos de colaboração entre humanos e outros animais, ou, talvez, mesmo, o único que se propõe a fazer música inter-espécies. Lançado em 1982, composto por 15 temas nos quais Nollman improvisa com uma variedade de instrumentos e vocalizações para harmonizar com as vozes e cânticos de vários animais, entre eles perus, orcas e lobos. Por vezes, intrigante e por outras um pouco hilariante, Nollman escreveu também alguns ensaios sobre os seus sentimentos e experiências ao tocar com os seus amigos animais e também eles, em suma, músicos. Uma curiosidade que vale a pena experienciar e que demonstra que pode haver harmonia na música inter-espécie.

5 – Tucker Martine – Broken hearted dragonflies


Tucker Martine aventurou-se pela natureza em Laos, Burma e Tailândia para capturar os sons de vários insectos. O resultado é um disco com cerca de 40 minutos que fundem entomologia com electrónica. Os sons são provenientes de miríades de libélulas e cigarras. Há sons com um pitch bastante alto que, supostamente, provêm das libélulas machos que quando são incapazes de ser bem-sucedidos no cortejo emitem um som tão alto que o seu organismo não resiste e acabam por falecer. Essa tragicidade é expressa de forma exímia neste disco conceptual que nos deixa fascinados pelo mundo dos insectos, se não o formos desde já. Há também alguns sons feitos por cigarras que formam malhas drone, assim como variadas camadas de cantos de pássaros. É acima de tudo uma homenagem a todos os que caíram derivado ao amor não recíproco.

6 – Tony Schwartz – A dog’s life


Este documentário auditivo fornece a adopção do cãozinho chamado Tina por parte de Tony Schwartz que decidiu narrar o processo de adopção e o comportamento de Tina nos seus primeiros dias. A narração feita por Ralph Bell é acompanhada por ladrares de cães no começo. O começo do primeiro dia de Tony com Tina, a sua procura por escolas de obediência para ajudar Tina com alguns problemas que tinha. “And so Tina and Tony had to go to school”. É um documento interessante para sentir a atmosfera que se vivia durante os anos 50 na cidade de Nova Iorque. Essencial para fãs de documentários sónicos e amantes do mundo canino. Reporta honestamente a relação entre humano e o seu melhor amigo.

7 - Olhon – Sinkhole


Este disco resulta da colaboração de Massimo Magrini com Zairo, dois músicos italianos que decidiram gravar os sons provenientes de equipamento de gravação que se aventurou no Pozzo Del Merro, a maior cave vertical subaquática do mundo! Encontra-se perto de Roma e é absolutamente lindíssima. Assim como o disco que acabou por produzir. É um dark ambient bastante interessante, especialmente se lermos a maneira como foi produzido e os recursos que envolveu. Os ecos, barulhos análogos a drone, pequenos estalidos e mais pequenos elementos constroem camadas em cima de camadas de música intensamente exploratória, inusitadamente melódica e cativante. Os sons foram gravados em variadas partes da cave e depois processados em estúdio mas de forma bastante básica, deixando todo o primitivismo das gravações imperar. Um trabalho que reflecte o mistério e fascínio que a natureza exerce sobre nós.

8 – Various artists – Symphonies of the planets 1: NASA Voyager recordings


Esta compilação de emissões rádio da NASA divide-se em mais cinco cd’s. O material foi retirado dos sons emitidos pela Voyager, ou seja as manifestações eletromagnéticas dos planetas no nosso sistema solar. As interacções do plasma cómico, luas e planetas criam melodias que sabemos ser um pouco extraterrestre, mas cativam pelas suas melodias que por vezes parecem até animais terrestres. É fascinante ouvir verdadeira space music. Campos magnéticos que criam melodias que a priori nos podem parecer pouco familiares mas que aos poucos nos vão cativando. Tanto este como os outros 4 cd’s ouvem-se na perfeição se os quisermos usar para momentos de reflexão cósmica e/ou ler banda desenhada do Silver Surfer.

9 - Organum – Vacant lights


Organum é o projecto musical de David Jackman e Dinah Jane Rowe que juntos lançaram este intrigante LP em meados da década de 80. Os dois músicos tocam composições delicadas e fragmentadas imiscuídas nas tapeçarias sonoras de uma cidade. Os sons urbanos como carros e autocarros que passam, vento, sons de varrimento e outra miríade de barulhos urbanos que definem a banda-sonora de uma cidade. Esta junção é feita com elegância, delicadeza e extrema mestria resultando em peças que até podem ser usadas para alguns momentos mais meditativos e/ou quando sofremos algumas mazelas por causa de extravagâncias emocionais.  

10 - Various Artists – Street of Lhasa


Quando viajamos, aprendemos, absorvemos e experimentamos um sem número de elementos novos e para nós exóticos que vão desde a gastronomia aos costumes. Há também a música, as danças, as roupas ou cerimónias de fé. Neste disco, com um microfone percorreram-se as ruas de Lhasa no Tibet para gravar as músicas de vários artistas de rua. A primeira cativa-nos imediatamente por ser cantada por uma criança e a segunda é cantada com o seu pai. Estas músicas foram gravadas por Zhang Jiang que percorreu as ruas de Tibete para gravar estas maravilhosas músicas. A qualidade da produção é também muito acima da média e é como se estivéssemos em mente e espirito com as pessoas e artistas que vão cantando as músicas que conhecem e sempre fizeram parte do seu universo. A sua ligação com a música é profundamente inspiracional.

11 - María Sabina – Mushroom ceremony of the Mazatec Indians in Mexico


Esta captação de um ritual no México é capaz de ser o mais fidedigno em existência, ou pelo menos, o primeiro. Tendo sido gravado em 1956 no estado de Oaxaca, no México. Ficaram registados os vários cânticos ao longo de uma cerimónia de cogumelos “mágicos”. Cerimónia esta que ficou a cargo de María Sabina, uma curandeira e xamã que utilizava os poderes psicadélicos dos cogumelos e que induzia alguns estados de transe. Esta cerimónia foi gravada durante uma noite pelos técnicos V.P e R. Gordon Wasson. Continua a ser uma curiosidade para colecionadores de registos ao vivo sem artifícios e claro, psiconautas.

Conclusão:
A plasticidade e as inúmeras potencialidades dos registos sonoros fazem com que haja cada vez mais a exploração das duas capacidades, seja em forma de documentários sonoros que alertam para problemas sociais e/ou ecológicos, experiências místicas e espirituais ou simplesmente os sons humildes mas francamente ricos de insectos das florestas tropicais. O som é intenso tanto na sua presença omnipotente como na sua ausência.  

TEXTO: CLÁUDIA ZAFRE
IMAGENS: Álbuns das bandas