Há famílias que partilham a herança artística. Chico é Francisco, o caçula do compositor  Maurício Pereira e Lucila Bernardes , irmão ...

Chico Bernardes, descendente de músicos e da nova vaga MPB, pisa pela primeira vez os palcos de Portugal. Digressão inicia a 30 de Janeiro

Há famílias que partilham a herança artística. Chico é Francisco, o caçula do compositor Maurício Pereira e Lucila Bernardes, irmão de Manuela Pereira e de Tim (Martim) — guitarrista e vocalista no trio paulistano O Terno. Tim já pisou os palcos de Portugal para apresentar o seu trabalho. A vez que se sucede é a do seu irmão, que em Janeiro e Fevereiro estreia-se em Portugal para uma digressão distribuída por 10 datas em vários pontos do país. O músico de 20 anos faz parte da nova vaga do MPB e lançou recentemente o seu álbum homónimo pela editora brasileira Risco – cujo catálogo de discos editados engloba nomes como Maria Beraldo, O Terno, Ana Frango Eléctrico e Sessa

Chico trabalha tanto o lado lírico quanto o instrumental dos seus temas, identifica-se com o registo folk de Joni Mitchell e deixa-se levar pelas letras, pelas melodias introspectivas e sentimentais.


"O disco fala de amores platónicos, amores correspondidos que chegaram ao fim, amores não correspondidos, isso mesclado a outros paralelos, seja minha vontade de escrever pequenas narrativas musicais, seja uma saída para desenvolver minhas questões introspectivas diante do existencialismo."


- Segundo as investigações online, reparei que o teu pai Maurício Pereira não induziu nenhum dos filhos a seguir o caminho da música. Ainda que seja difícil, na maior parte das vezes, saber como se processa este lado mais empírico e artístico, podes falar das memórias que tens e que te foram conduzindo para a criação musical?
- Creio que a música esteve presente na minha vida desde pequeno, mesmo iniciando a prática de instrumentos e me interessando com a produção e composição musical em redor dos 15 anos. Dividia quarto com meu irmão, que tocava guitarra, ia a shows do meu pai acompanhado pela minha avó, ouvíamos Beatles e Bob Marley no carro, a caminho da praia. A maior parte das actividades que fiz a partir dos 10 anos era acompanhada por um fone de ouvido. Nessa idade, cultivava um certo negacionismo em relação à música, uma vez que meu pai e meu irmão já o faziam, e parecia que já tinha “músicos demais” na família. Porém, com o passar do tempo, fui percebendo que o acesso a instrumentos em casa era muito grande, algo que não me chamava tanto a atenção antes, e diante disso comecei a explorar. Primeiro foi a bateria. Depois ukulele, violão, guitarra. Tempo depois o piano. O violão foi o primeiro instrumento ao qual me apoiei para escrever músicas.

- Como se processou este disco. Quanto tempo demorou, como decorreu a escrita e a composição e de onde surgiu a inspiração para as letras?
- A música mais antiga do disco, e também minha primeira composição (“Vago”), escrevi aos 16 anos, e a mais recente do disco (“Sem Palavras”) escrevi aos 19. A meio desse período, escrevi as outras, fiz meus primeiros shows sozinho, me formei no colégio e comecei a cursar a faculdade de música. Ali, absorvi ferramentas diversas que me ajudaram a organizar e encaminhar o projecto que me foi esse primeiro disco. Em termos de inspirações líricas, me debrucei fortemente diante dos meus próprios sentimentos, que pareciam já não caber no peito, necessitando serem escoados a algum lugar. O disco fala de amores platónicos, amores correspondidos que chegaram ao fim, amores não correspondidos, isso mesclado a outros paralelos, seja minha vontade de escrever pequenas narrativas musicais, seja uma saída para desenvolver minhas questões introspectivas diante do existencialismo. Embora bastante pessoal, creio que este campo dialoga com as questões internas daquele que escuta.

"Uma das minhas maiores preocupações diante do meu trabalho é o registro sincero da fase sobre a qual estou vivendo quando escrevo, em busca de um retrato musical de mim, sobre o qual poderei olhar posteriormente, mais velho, e relembrar como eu era." 



- És muito novo, mas a maturidade das letras reflecte um músico que se preocupa com o registo. Qual a tua maior preocupação em relação ao teu trabalho? Achas que o folk é um género que exige essa maturidade, em que as letras e a composição instrumental só podem existir quando há densidade de pensamento? 
- Vejo o género “folk” como uma estética que me faz sentido quando dialoga com meus interesses musicais. Mesmo assim, creio que seja pelo fato de conquistar intimidade diante do violão, algo que não se restringe ao género, que encontro esse espaço para me pensar e elaborar, por dentro. Uma das minhas maiores preocupações diante do meu trabalho é o registro sincero da fase sobre a qual estou vivendo quando escrevo, em busca de um retrato musical de mim, sobre o qual poderei olhar posteriormente, mais velho, e relembrar como eu era. De qualquer forma, esse não é um conceito restrito, ainda há muita coisa que não explorei, conceptualmente, que poderei desenvolver em próximos trabalhos.

"Acho que a formação não é necessariamente o que faz do músico um bom músico, mas sim seu interesse em aprender para chegar no som que lhe corresponda."


- Mais tarde decides ingressar na faculdade de música para progredires na técnica do violão. Quais as tuas reflexões antagónicas sobre o músico sem formação e com formação; quais as vantagens e desvantagens a ter relativamente a esses dois lados, uma vez que a intuição muitas vezes não necessita da formação para a criação acontecer. Achas que a formação, no teu caso, permite que te envolvas com mais saber e desenvoltura no processo criativo? Não achas que às vezes saber demasiado poderá cortar o lado mais ingénuo e intuitivo de um músico? 
- Acho que a formação não é necessariamente o que faz do músico um bom músico, mas sim seu interesse em aprender para chegar no som que lhe corresponda. A partir daí, cada um desenvolve sua técnica até onde parece conveniente. Por mais que eu curse faculdade, não me considero, academicamente, um bom aluno. Isso pois abro mão de estudar certas coisas que não parecem me direcionar, ali dentro, buscando meus interesses de forma intuitiva, mas ainda assim o curso me é de grande ajuda. Justamente, às vezes o saber teórico e técnico pode fazer do músico mais convencional, adequado ao que já foi feito na música diante da história, – algo que é interessante de conhecer – gerando uma certa perda do que lhe é pessoal quando se está a descobrir sozinho, sem “spoilers”.

"Como caçula, tive inegável influência de meu pai e meu irmão, mas, em dado ponto, tive de desviar do caminho deles para começar a trilhar o meu, à minha maneira. De qualquer forma, isso não nos impede de ter interesses em comum: muito de minhas referências e músicas que gosto de ouvir me foram apresentadas por meu irmão, e, quando pequeno, foi meu pai que me deu “aulas básicas” diante dos artistas que já fizeram sua história diante da música."



- É inevitável falar sobre a ligação que a tua família mais próxima tem à música. Nasceste no seio de músicos, crescer à volta de discos e de influências poderá, por vezes, insurgir-se contra o que não se quer quando queremos criar algo original? Ou achas o oposto? Poderá ser um apoio para aquilo que se gostaria de fazer e criar? 
- Ambas as partes são possíveis. Em famílias de músicos (não apenas na minha), sempre existiram histórias daquele que vivia “à sombra” do outro, ou que “pegava carona” no sucesso do outro. Em casa, cada um tem seu jeito de funcionar, sua personalidade e interesses. Como caçula, tive inegável influência de meu pai e meu irmão, mas, em dado ponto, tive de desviar do caminho deles para começar a trilhar o meu, à minha maneira. De qualquer forma, isso não nos impede de ter interesses em comum: muito de minhas referências e músicas que gosto de ouvir me foram apresentadas por meu irmão, e, quando pequeno, foi meu pai que me deu “aulas básicas” diante dos artistas que já fizeram sua história diante da música.

- Despir a superficialidade da produção musical ao violão e à voz (letras) é difícil porque a entrega é diferente, na medida em que é mais crua e directa. Hoje em dia lidamos com todo o tipo de criação e produção e, no entanto, existe também uma vaga de músicos que gostam das reminiscências para pintarem os seus caminhos musicais. Trazer algo de novo é difícil. Mostrar uma atmosfera diferente é o teu desejo, ou não te preocupas com esse aspecto de poder fazer mais do mesmo e apenas moves-te pela teu lado mais imediato?
- Não diria que meu principal interesse é fazer novidade, uma vez que diante da música, principalmente em voz e violão, muito já foi feito. Dito isso, meu interesse é utilizar desse recurso musical para escrever minha própria história. Esta, sim, é novidade, algo que não foi feito ainda, e a partir dela busco compor, diante de minhas reacções subjectivas frente às banais descobertas do ser humano durante seu percurso.

- Começas a dar os primeiros passos como músico e a resposta que tens tido tem sido positiva e recíproca. Quando crias pensas no teu público ou é um processo muito pessoal?
- A este primeiro projecto, não fiz as músicas voltado ao público, até porque ainda não tinha um. Com isso, minha preocupação maior foi ser sincero comigo mesmo, e produzir pelo meu prazer pessoal. Fiquei muito contente após o lançamento por ter tido uma devolutiva recíproca de carinho e atenção, e por ver pessoas que se identificaram com o que eu estava dizendo, quando colocadas as letras em seus universos particulares.

- Há algum músico português que ouves? O teu irmão tocou alguns temas com o Salvador Sobral, tu gostarias de colaborar com algum músico português? 
- Ainda desconheço a cena da música portuguesa. Conheci o trabalho dos Capitão Fausto e do Salvador Sobral por meu irmão. Gosto de ouvir Carlos Paredes no avião. Espero conhecer mais durante minha estadia, para que, desta forma, entenda o que circula pelos ouvidos de Portugal.

- A tua estreia em Portugal é marcada por 10 datas em solo nacional. Há algo de novo que o público possa esperar além da apresentação do disco homónimo? 
- Em shows, costumo fazer versões de músicas que gosto e, de vez em quando, cantar algumas “demos”, além do repertório do disco. É algo previsivelmente inconstante.

Imagens: discos de Chico Bernardes
Texto e entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: Chico Bernardes




Digressão completa:
- 30 Jan. || Leiria || Atlas Leiria
- 31 Jan. || Alcobaça || 
#OssosdoOfício
- 01 Fev. || Sabrosa || 
Novas Canções da Montanha
- 02 Fev. || Guimarães || 
Capivara Azul
- 04 Fev. || Lisboa || 
MUSICBOX LISBOA
- 05 Fev. || Aveiro || 
Avenida Café-Concerto
- 06 Fev. || Porto || 
Maus Hábitos - Espaço de Intervenção Cultural
- 07 Fev. || Barcelos || 
Theatro Gil Vicente, Barcelos
- 08 Fev. || Estarreja || 
Saramago Caffé Bar
- 09 Fev. || Coimbra || 
Galeria Santa Clara