Género: folk, pop, rock Álbum: Raposas e Rapazes, de B Fachada Lançamento: 20 de Julho, 2020 Capa do disco Rapazes e raposas , de ...

B Fachada é um caso sério

Género: folk, pop, rock
Álbum: Raposas e Rapazes, de B Fachada
Lançamento: 20 de Julho, 2020

Capa do disco Rapazes e raposas, de B Fachada; fotografia © Mané Pacheco

Seria ingrato tornar este pequeno texto impessoal, escrito na terceira pessoa, quando, desde que me lembro das criações de B Fachada em lojas de discos, em capas de revistas, de jornais, na blogosfera, que sorrio com admiração pelo seu trabalho. Lido com a sua música desde que dava concertos intimistas ao som da sua braguesa em salas pequenas. E como gostava de olhar após 20 minutos de concerto para as suas bochechas rosadas da sua tez clara, enquanto, sem medo, fitava os olhos do público enquanto se escutava, 

E como eu já não tenho idade
Para os caprichos da Maria
Vou deixar a monogamia
E dedicar-me à castidade

É preciso tempo para ouvir um disco em condições. Mesmo que se seja assombrado pelo relógio que parece ininterrupto nos dias de hoje, ouvir um disco como deve ser, merece tempo para o apreciarmos.

B Fachada é genial, e não se devem refrear os elogios à discografia do artista que não lambe-cus. A sua escrita é consciente e sem reservas, além de a dominar, entende bem o que são as emoções que passeiam no mesmo trilho das melodias que compõe. Tudo faz sentido por mais desconexo e desleixado que possa soar. B-Fachada desafia a métrica da língua portuguesa. Sem pressa de fazer as coisas, pouco interessa há quanto tempo é que lançou o último disco. Sabe-se que a última colaboração foi com as irmãs Pega Monstro
Já muitas são as críticas e opiniões espalhadas aos quatro ventos sobre Rapazes e Raposas. A verdade é que Bernando (B, Fachada) veio mudar a história da música portuguesa. Este jovem (já pai de três), nascido em Lisboa, luta todos os dias contra o preconceito regional, rejeita a "supremacia" urbana que se força a criar "originalidade". B Fachada aceita sotaques, idiomas, diversidade, o popular, a tradição e o erudito; tudo cabe e entra na fórmula da criação. Veio mudar o caminho do folk português, o folk com ou sem sintetizadores, com psicadelismo, bossa nova, afro-chula, experimentalismo, com alemão: Reich, ich bin ein Poltergeist. Na verdade, B Fachada usa e abusa, experimenta o que lhe dá na gana e não tem medo de tentar e explorar. É um artista no sentido lato da palavra. Cresceu a ouvir João Gilberto e a doçura cantada do outro lado do oceano, mas não se esquece também de Zeca. Consegue também ser um Buster Keaton do trocadilho quando dá largas ao seu tom piadético. O autor reconciliou a vontade de voltar a cantar em português, sem utilizar o português neutro com sílabas iguais e o que rejeita a cultura e a alma da essência e do significado. Sabe o que é métrica e conhece o peso e a leveza das palavras. 

B Fachada é aquele namorado e amigo com quem gostaríamos de ter as conversas mais frívolas e banais, conquanto as mais profundas e complexas, é divertido com o seu Mané, intenso com Desamor e com Só te Falta seres Mulher, absurdo com Pifarinho, global com Tempo para Cantar, nostálgico com Anda que está Dura



Rapazes e Raposas torna-se o compêndio das travessias que fez, da mais rústica à mais experimental. Natureza Radical melodicamente leva-nos a Por este Rio Acima de Fausto, mas liricamente é, indubitavelmente, o carimbo do que nos tem acostumado: ironia, sátira, inteligência e assertividade. 

(Quero agradecer a todos os herbívoros 
que arriscam diariamente a sua vida e a dos seus 
para o bem de carnívoros, 
omnívoros, necrófagos e talhantes 
Nas barbas do carneiro cornudo 
jantam borrego 
o saca-rabos e o texugo) 

A simplicidade de Bernardo derruba a Fachada quando abre a boca. Há todo um conjunto de cores e texturas quando o ouvimos. Basta-nos a rendição, porque, se B Fachada precisa da nossa ajuda, quanto mais nós que precisamos das suas canções. Obrigada, Bernardo!

Texto: Priscilla Fontoura