Um dia, eu e o Jorge Lima Barreto, fomos ter uma reunião com o Secretário de Estado da Cultura; quando chegámos, disseram-nos que esperássem...

Crónicas do Rua: SEC-Secretaria de Estado da Cultura


Um dia, eu e o Jorge Lima Barreto, fomos ter uma reunião com o Secretário de Estado da Cultura; quando chegámos, disseram-nos que esperássemos um pouco; passados uns minutos, mandam-nos entrar para o escritório e lá dentro, estava um gajo com os seus 20 anos; e diz o puto: "Então que vos trás por cá?"; e diz o Jorge: "O que nos trás por aqui, é uma reunião com o Secretário de Estado da Cultura"; e diz o puto: "Pois, infelizmente o Secretário não vos pode receber hoje"; e diz o Jorge: "É pena, pois vínhamos aqui fazer uma doação de 100 mil contos para a cultura portuguesa, a mando do representante da cultura de São Tomé e Príncipe, mas sendo assim vamos embora"; claro que não era verdade, o Jorge estava furioso por estar a ser recebido por um puto; e diz o gajo: "Então, nesse caso, esperem aqui um minuto que vou ver se o Secretário vos pode receber"; mal ele saiu, o Jorge levanta-se, pega num bloco de papel de carta que estava em cima da secretária e nuns envelopes, e saímos do escritório. Por essa altura, um nosso amigo performer, o Manoel Barbosa, tinha enviado uma proposta de um Festival de Performance, para ser avaliado, e esperava uma resposta; era um enorme projecto que envolvia os maiores nomes da performance mundial; então, o Jorge lembra-se do papel e do envelope que tinha trazido a dizer "SEC-Secretaria de Estado da Cultura", e resolve escrever uma carta, em nome da SEC, para o Manoel Barbosa; a carta era mais ou menos isto: "Senhor performer Barbosa: a SEC não pode, neste momento, aceder ao seu projecto apresentado, mas gostaria de lhe propor, ao senhor e aos seus colegas, actuarem na Rua Augusta, juntamente com palhaços e alunos do Chapitô, numa acção de circo de rua, e o vosso cachet, seria uma comissão sobre as esmolas que o público vos der"; o Barbosa nem queria acreditar no que estava a ler; ficou revoltado e ligou-nos a contar; e o Jorge dizia-lhe: "Eu, se fosse a ti, ia lá à SEC e fazia um estrilho do caraças"; e nunca mais se falou no caso; ora, o Barbosa resolveu seguir o conselho do Jorge e dirigiu-se à SEC, e chegado lá, começou a insultar toda a gente, e a dizer que era uma pouca vergonha a falta de respeito demonstrada aos artistas; o funcionário, estranhando tudo aquilo, pediu-lhe para ver a dita carta e repara que a carta está assinada por um nome de uma pessoa que não trabalha lá; e diz ao Barbosa: "Esta carta é uma falsificação e isto é um crime, e o senhor vai ter de nos dar o seu bilhete de identidade, e esperar aqui, pois isto é caso de polícia”; o Barbosa fica espantadíssimo, mas imediatamente lhe vem à cabeça que isto poderia ser uma piada do Jorge; resolve ligar-nos a dizer: "Olhem, estou aqui na SEC: foram vocês que escreveram aquela carta? É que estou aqui retido e querem apurar quem é o autor da carta, e foram chamar a polícia"; e diz-lhe o Jorge: "És mesmo um camelo! Então não vias logo que aquilo era falso? Agora, não podes dizer que fui eu! Diz-lhes que foi o teu filho, na brincadeira"; e o Barbosa lá esteve, quase três horas retido, a ser ouvido por várias pessoas, até que, finalmente, o deixaram vir embora, alertando-o que nunca mais iria receber apoio do Estado Português...

Texto e Imagem: Vítor Rua