Um dia, o Teatro Carlos Alberto, no Porto, ia reabrir as suas portas e o espectáculo da estreia chamava-se "Rua!", e eram músicas ...

Crónicas do Rua: Teatro Carlos Alberto, no Porto, e o espectáculo da estreia Rua!


Um dia, o Teatro Carlos Alberto, no Porto, ia reabrir as suas portas e o espectáculo da estreia chamava-se "Rua!", e eram músicas minhas para cena (músicas que eu fiz para o Ricardo Pais ao longo de anos); criei uma banda para o efeito, constituída pelo Nuno Rebelo, Luis San Payo, Manuel Guimarães e Alexandre Soares; logo nos primeiros ensaios, o Luís tinha de ir tocar ao Algarve e tivemos, à pressa, de mandar vir o Marco Franco, de Lisboa, para nos safar no ensaio; estávamos todos a falar do sucedido, e de como iríamos ter de resolver à tangente aquele sarilho do baterista, quando diz o Alexandre: "É pá, já parecemos mesmo uma banda rock... Ainda nem três dias o grupo tem, e já temos problemas com o baterista!". 

Mais tarde, no ensaio, surge o costureiro que nos ia fazer as roupas de cena e eram umas camisas azuis bebés, e parecíamos empregados de hotel; ficámos todos com uma cachola dos diabos; ainda por cima, o Ricardo pedia-nos para metermos a camisa por dentro das calças, para se ver o cinto; diz o Nuno Rebelo: "Eu não meto a camisa dentro das calças"; e logo o Alexandre concorda com ele; e todos me dizem: "Rua, vai lá dentro e diz aos gajos que não tocamos com as camisas dentro das calças"; e eu fui. 

No palco estavam a experimentar luzes; eu não via ninguém sentado nas cadeiras do público mas eles viam-me a mim; e ouço a voz do Ricardo: "Vítor, pode meter as bainhas da camisa para dentro das calças?"; e eu, contrariado lá meti; e diz o Ricardo: "Fica muito melhor assim, obrigado Vítor”; e lá regressei eu ao camarim; chegado lá, todos me perguntam: "Então, conseguiste?"; e eu disse que não; e eles todos: "Mas porquê?"; e eu respondo: "Porque sou um hipócrita cobarde!"... todos se riram e acabámos por tocar com as bainhas por fora. No dia do evento, havia dois concertos: um para convidados vip´s, presidentes de câmaras de várias cidades; estava o Rui Rio, etc., e outro, para o público em geral; o Ricardo antes do concerto começar vem dizer-nos: "Vocês podem fazer o que quiserem mas, no final do primeiro tema, eu vou fazer um pequeno discurso, nessa altura, toquem mais baixo”; e eu digo: "Sem problemas Ricardo, nós fazemos música ambiental”; chega o momento do Ricardo falar e este começa a agradecer a presença de todos: "Em especial ao Presidente Rui..." e, quando ia a dizer "Rio", o Alexandre deixa cair a guitarra, produzindo um estrondo gigantesco, que não deixou que se ouvisse o nome do Rui Rio completo; terminado o concerto, estamos todos a ir para o camarim para nos prepararmos para o concerto seguinte, diz o Ricardo ao Alexandre: "A ver se desta vez consigo dizer o nome do homem"; e todos nos rimos; chega o outro concerto e a altura do Ricardo fazer o seu discurso, e eu olho para o Alexandre, que está nervoso, a segurar com as duas mãos na guitarra, para que desta vez ela não caia; e lá começa o Ricardo o seu discurso; e eu, sempre a olhar para o Alexandre, e vejo que este, está a recuar, para trás, para um sítio onde estava um tripé com um microfone; e quando o Ricardo vai de novo dizer "Rui...", o Alexandre bate com as costas no tripé, vê que este vai cair, solta as mãos da guitarra para agarrar no microfone, e a guitarra volta a cair com alto estrondo, e mais uma vez não se ouviu o nome do gajo...

Texto e Imagem: Vítor Rua