Género: ambiental, minimalista Disco: Sete Fontes Autor: Homem em Catarse Editora:  Regulator Records e Golden Pavilion Lançamento: 30 de Ab...

Homem em Catarse viaja solitário entre Sete Fontes para reconciliar-se com o mundo, 30 de Abril é a data de lançamento do disco

Género: ambiental, minimalista
Disco: Sete Fontes
Autor: Homem em Catarse
Editora: Regulator Records e Golden Pavilion
Lançamento: 30 de Abril, 2021

Fotografia: Maria João Salgado

Só existe aquele momento, e a incrível certeza de que tudo sob o sol foi escrito por apenas uma mão. Tal como um piano tocado a duas mãos. Possivelmente nesse balanço poderão perdurar feridas por sarar. Não sabemos se será o caso de Afonso Dorido que atribui a Homem em Catarse o seu alterego musical - um que caminha entre 7 fontes para se lavar nesses tanques regados por águas límpidas e cunhados com nomes diferentes, como se fossem baptismos por imersão que o ligam a uma transcendência. Pêndulo da Sé, Santa Marta das Cortiças, Rua do Souto Deserta, Valsa dos Bicainhos, Pastor da Serra dos Picos, Moinhos de Português, Nascente do Este são os tanques que ligam o trajecto dessa caminhada que se faz entre lugares do Portugal rural, supersticioso, folclórico e ligado às raízes. Acabado de atravessar as Sete Fontes inicia-se o descanso do criador.

É a partir de uma tela em branco de onde parte um ser criado e que agora também é criador de uma reprodução que se devolve ao infinito, à intemporalidade, partindo de uma folha em branco para tecer a sua criação no caos, dá-lhe contorno e forma para extrair afectos dessa peregrinação solitária. A maior linguagem, a arte, cria um finito que restitui o infinito para eternizar sensações - a existência dos afectos para compor a sua obra e a reconciliação entre o Eu e o mundo. 

A obra por fim terminada transforma-se no monumento dessas sensações passadas pelas fontes, pelas lavagens em águas correntes que lavaram um corpo esgotado. O que será a última instância do acto criativo e a sua catarse senão inventar, criar e mostrar afectos desses processos por que passou? A arte luta com o caos para torná-lo sensível.

O último mergulho volta à superfície agora com um corpo revigorado, não é mais o mesmo. Nesta passagem pelas fontes fez-se o trajecto necessário, nessas lavagens veio à superfície um novo Eu. Curado. Esta obra começa e acaba com um piano, despido, sem pressa, aceitam-se as respirações.

O lançamento de Sete Fontes tem como data prevista 30 de Abril, uma data que fecha certamente um ciclo tempestuoso para todos. Chega o vislumbre de um novo mais optimista e persiste o sentimento de superação do trauma para curar feridas que se julgavam congeladas. Seria inevitável esta catarse que se faz com tempo, com a morosidade implícita em cada tecla, presente nos silêncios, na dor, na cura, nas interrogações e nas respirações, às vezes curtas, outras vezes prolongadas.

O disco remete para a última obra de Kaada, por mais que Misinterpretations seja um disco de reinterpretações de temas clássicos, encontram-se semelhanças no processo de gravação despido de plasticidade; da mesma forma é uma reconstrução nostálgica que se assemelha ao acto de dar corda a uma caixa de música, como acontece no projecto que James Leyland Kirby encabeça em The Caretaker.

Sete Fontes é editado pela Regulator Records em cd e k7 e pela Golden Pavilion em formato vinil. Um disco composto ao piano e encorpado com sintetizador, gravado e co-produzido por Francisco Oliveira e Budda Guedes, misturado pelo último. 

Texto: Priscilla Fontoura