A sentimentalidade presente no shoegaze aflora esta condição de isolamento físico que todos estamos a viver. Há também quem tenha aprove...

Os brasileiros Personas divulgam o EP Das Luzes Que Se Fundem Com a Manhã. Desprenderam-se do medo de abordar os gostos mais barulhentos e mais sujos para compor o disco



A sentimentalidade presente no shoegaze aflora esta condição de isolamento físico que todos estamos a viver. Há também quem tenha aproveitado este estado para criar temas que reflectem sentimentos mais nostálgicos que desembocam na incerteza e provocam receio do futuro. Os Personas divulgam o EP “Das Luzes Que Se Fundem Com a Manhã” com um repertório que inclui os singles Frio da Madrugada, Brado e E Eu Me Desespero Facilmente, além das faixas Talvez, Entrelaços e Mar de Problemas. O lançamento chega às plataformas de streaming através do selo Bangue Records. As sessões de gravação ocorreram no Estúdio Wasabi, em São José dos Campos/São Paulo. A produção e a mixagem ficaram a cargo de Diego Xavier (BIKE). Já a masterização foi realizada por Cássio Zambotto.

- Como se encontram e como têm vivido face à condição séria e ainda tão presente no Brasil?
João: Estamos todos bem dentro do possível, nos protegendo ao máximo e tentando proteger todos os mais próximos de nós, mas, claro, sem nos reunirmos ou nos vermos, e fazendo de tudo pra não perder completamente as esperanças na volta de “dias normais”.

Fernando: Em função da gravidade da pandemia em nosso país, suspendemos todos os encontros presenciais até tudo melhorar.

Pablo: Estamos bem, nossas famílias também estão bem. Tentando manter a saúde mental no meio de tantas notícias ruins e incertezas.

Rodrigo: Como todos no início da pandemia da Covid-19, abdicámos dos nossos encontros presenciais e partimos a fazer reuniões por vídeo chamada, e na época em que gravamos o nosso EP ainda havia casos mais isolados de contaminação, visto isso tomamos todas as medidas de protecção para podermos realizar as gravações.

- "Das Luzes Que Se Fundem com a Manhã" mostra um lado da moeda diferente de "Nunca Foi Para Dar Certo". O que mudou para passarem de um trabalho mais Pop para um mais nostálgico?
João: Sempre buscámos fazer um tipo de som no qual acreditamos e que ouvimos no nosso dia a dia, e acho que dessa vez conseguimos nos desprender do medo de abordar os nossos gostos mais barulhentos e mais sujos para compor o Das Luzes, mesmo sabendo que talvez fosse ser menos “acessível” àqueles que gostam do nosso lado mais Pop.

Fernando: Sempre compusemos este tipo de trabalho, mas aguardámos para publicá-lo, tanto que algumas músicas, como E Eu Me Desespero Facilmente e Talvez já estão "guardadas" há um certo tempo.

Pablo: Acredito que os sons que estávamos ouvindo no período de composição trouxeram essa personalidade ácida do EP.

Rodrigo: Quando gravámos "Nunca Foi Pra Dar Certo" sentimos a necessidade de mostrar um lado mais visceral e melancólico das situações vividas por nós. Pra mim, o EP “Das Luzes Que Se Fundem com a Manhã”, sonoramente, representa muito bem esses sentimentos como a ansiedade, angústia e até mesmo um pouco do conformismo ao qual nos sujeitámos.

- Como começou Personas e o que vos levou a juntarem-se para fazerem canções?
Fernando: Personas começou com João e Rodrigo, após a diluição de um antigo conjunto chamado "Rolê Errado". Após, eu (Fernando) integrei o grupo e passámos a ser "Personas". Depois de um tempo de grupo, sentimos que havia a necessidade de mais uma guitarra no grupo e foi aí que o Pablo Hanzo se juntou a nós.

Rodrigo: Personas começou comigo e com o João num outro projeto que felizmente não era pra acontecer hahaha. Porém, como as influências de nós os dois estavam bem próximas, nos juntámos para fazer músicas autorais, o Fernando entrou no meio desse processo pois precisávamos de um baterista, e por ser meu irmão e sempre tocámos juntos, acreditei que seria uma ótima formação pra dar início ao que seria o primeiro trabalho da banda. Assim, até o final de 2019 seguimos como power-trio, mas devido ao que queríamos realizar como banda sentimos falta de mais um guitarrista e sem muita procura entrei em contato com o Pablo para somar nas guitarras e desde a primeira vez que nós quatro tocámos juntos tive a sensação de que ele estava na banda desde o começo.

- Não há ansiedade mais presente para uma banda do que o retorno aos palcos. De que forma o vislumbram?
João: Antes da pandemia, a gente conseguia fazer pelos menos uns 2 shows por mês, então estar mais de 1 ano sem subir ao palco tem sido de partir o coração, mas, assim que for possível, vamos juntar todas as bandas amigas pra fazer um rolezão gostoso com todo o mundo.

Fernando: A saudade das apresentações é enorme. Tanto de tocar, quanto de assistir as demais bandas dos eventos. A expectativa para quando a pandemia acabar é de muitos shows o quanto antes.

Pablo: É o que mais queremos, poder tocar as músicas do EP novo pelo mundo todo. Com certeza vai ser bem enérgico e caloroso! Nos chamem para tocar em Portugal.

Rodrigo: Como todos os outros artistas, sentimos muita falta de nos apresentar em palcos estrada afora, mas sinto que temos que seguir e nos reinventar e continuar produzindo, ficar parado não faz bem pra nossa mente, e seria incrível esse reencontro com os palcos realizando a primeira tour fora do país!

- O vosso som remete para bandas como I Break the Horses, será o shoegaze o subgénero mais envolto do amor – esse forte sentimento que une duas pessoas romanticamente falando?
João: Eu acho que a densidade e barulho do shoegaze é perfeito para podemos tocar num assunto tão delicado e complexo quanto o amor romântico. As músicas Pop de amor que tocam nas rádios são bonitinhas, mas acho que músicas românticas precisam ser muito mais só “bonitinho” pra poder tocar honestamente em todas as nuances que se enquadram nesse tema, e o shoegaze engloba todo esse caos.

Rodrigo: Com certeza sim! Toda a atmosfera do género remete ao "clima" do amor, como por exemplo as guitarras suaves e envoltas pela reverberação, até a sujeira intensa e às vezes caóticas combinados com vocais como se fossem declarações de amor sussurradas em seu ouvido.

- Gostei mesmo muito do EP, principalmente do tema "Eu Me Desespero Facilmente". Como foi a construção e quanto tempo demorou. Foi um acto colectivo ou pessoal?
João: Muito obrigado! Desde o começo da primeira composição até o fim das gravações, acho que foram um ano e meio de trabalho. Normalmente eu ou o Rodrigo sempre chegamos com a base da música e a letra prontas, e aí levamos pro ensaio pra trabalharmos coletivamente em cima, com todos os membros dando ideias e palpites, o que sempre leva o resultado final a ser completamente diferente da ideia inicial, de uma forma bem positiva.

Fernando: Foi cerca de um ano e um ano e meio de trabalho que culminou no lançamento. As letras foram compostas pelo Rodrigo (baixo e voz) e João (Guitarra e voz).

Pablo: O João nos apresentou a composição e nos ensaios trabalhámos nos arranjos e elementos, alguns detalhes foram adicionados no ato da gravação da música.

Arte da capa por Vitória Nogueira

- O Presidente brasileiro tem mantido estratégias governamentais pouco inteligentes no que concerne às premissas de conduta do país: ordem e progresso; como também tem tomado decisões que têm provocado um efeito dominó no povo que, por consequência, não tem sentido grande protecção. O que têm a acrescentar sobre esta reflexão?
João: É revoltante ver o negacionismo de Bolsonaro sendo seguido tão cegamente pelo povo brasileiro. Ele já mostrou por diversas vezes, quase que diariamente, que é incompetente pra estar lá e pra comandar o país durante uma pandemia. Com certeza uma grande parcela das mortes que aconteceram no Brasil são diretamente culpa dessa política negacionista que ele prega.

Fernando: Infelizmente as condutas de nosso Presidente, menosprezando a gravidade da pandemia, vêm contribuindo para que o povo se sinta legitimado a fazer o mesmo, desrespeitando as medidas de prevenção, o que gera um alastramento no pico de contaminação que vem crescendo e crescendo.

Pablo: Realmente a reflexão é bastante coerente com relação ao descaso governamental em que temos vivido. Sou totalmente desesperançoso quanto às medidas desse governo, sinto que a cada dia nos afundamos num buraco mais difícil de sair. Muitas medidas negligentes e a população pagando caro por isso.

Rodrigo: O desgoverno do presidente é marcado principalmente pelo pensamento negacionista, com fortes bases na religião, suas decisões vão em contramão ao que a ciência comprova como o certo para minimizar a transmissão do vírus, tratando a Covid-19 como uma gripe comum, promoveu e promove aglomerações, e isso é só um reflexo da grande parte da população brasileira.

- Neste cenário negro têm sentido apoio dos vossos colegas das bandas e da cultura ou nem por isso?
João: Aqui na nossa cidade e na nossa região tem rolado um apoio bem massa por parte dos artistas e bandas, todos se apoiando da forma como podem, seja compartilhando as obras uns dos outros, ajudando em vaquinhas coletivas ou fazendo eventos online. E também rolaram alguns editais públicos para ajudar os artistas a arrecadarem um pouco de grana e dar uma leve aliviada no lado financeiro.

Fernando: Tem ocorrido bastante apoio entre os artistas na divulgação de trabalhos lançados e lives. Inclusive, recentemente houve uma mobilização para arrecadação de fundos para uma casa de show de São José dos Campos/SP (lar da Personas). Por isso, acredito que sim, há um apoio entre os artistas.

Pablo: De certo modo, sim! A rede de apoio não é tão forte e sólida, mas tem acontecido.

Rodrigo: O cenário demandou o isolamento social, porém o apoio de colegas artistas foi visto como uma grande forma de se manter ativo, o consumo de artes em geral tem sido uma grande forma de se ocupar a mente e também como forma de se manifestar!

- Temos uma rubrica intitulada Bagagem, onde pedimos os 5 livros, 5 discos, 5 filmes/séries de referência para cada criativo, poderiam dizer quais são as vossas?
Livros:
- Bíblia
- Guia do Mochileiro das Galáxias, Douglas Adams
- Se houver Amanhã, Sidney Sheldon
- 1984, George Orwell
- O Iluminado, Stephen King

Discos:
- Skylight, Pinegrove
- O Ransomed Son, Ascend The Hill
- Racional, Tim Maia
- The Things We Think We're Missing, Balance and Composure
- Rather Ripped, Sonic Youth

Filmes/Séries:
- Forest Gump, Robert Zemeckis
- Donnie Darko, Richard Kelly
- A Noite dos Mortos Vivos, George Romero
- Twin Peaks, David Lynch
- Toy Story, John Lasseter

Rodrigo:
Livros:
- This is a call: A vida e a música de Dave Grohl, Paul Brannigan
- 12 horas de terror, Marcos Rey
- Sh*t My Dad Says, Justin Halpern
- Eu, Robô, Alex Proyas
- O Senhor dos Anéis, J. R. R. Tolkien

Discos:
- Recortes do Diego Xavier,
- Do Que Somos Capazes da Um Quarto (¼),
- Ensaio Pra Destruir do Fernando Motta,
- Saúde do Raça,
- Boas Pessoas São Feitas de Promessas Incompletas do Marchioretto

5 Filmes/Séries:
- Alice in Borderland, Shinsuke Sato
- Vikings, Michael Hirst
- RagnarokTaika Waititi
- The End of the F***ing World, Charles S. Forsman 
- O PoçoGalder Gaztelu-Urrutia

- O que têm preparado para um futuro próximo?
João: Por enquanto estamos trabalhando materiais para a divulgação do EP, e também já começámos o processo de composição do nosso próximo álbum.

Fernando: Já temos um álbum encabeçado. Logo haverá novidades.

Pablo: Estamos trabalhando em novos visualizers das faixas do EP, clipe e trabalhando nas composições de um próximo álbum.

Rodrigo: Estamos trabalhando em composições novas pra lançar um segundo álbum com 11 temas onde o dream-pop está sendo bem influente, são canções mais pop do que fizemos em "Das Luzes Que Se Fundem Com A Manhã".

Texto e Entrevista: Priscilla Fontoura
Entrevistado: Personas