Género:  noisy, free jazz Banda:  Mula Disco:  Resiliente Relançamento (primeira vez em formato vinil):  14 de Maio de 2021 Resiliente by MU...

Resiliente é lançado em formato vinil e os colombianos Mula alertam para tempos difíceis que se vivem no país. É urgente uma transfusão de humanidade

Género: noisy, free jazz
Banda: Mula
Disco: Resiliente
Relançamento (primeira vez em formato vinil): 14 de Maio de 2021


Não é preciso invadir o espaço com massa humana, as vibrações provocadas pelo impulso físico bastam para que a carga fique concentrada ali, naquele espaço-tempo. Não poderia existir maior liberdade do que a que persiste em cada músico que se estica como elástico para se aproximar dos seus colegas. 

Hoje apresentamos Resiliente dos colombianos Mula. O disco já lançado em 2017 via Matik Matik, foi novamente editado a 7 de Maio deste ano em formato vinil via Dur et Doux.
Resiliente veio para ficar e preencher os ouvidos que procuram vanguarda sónica. O álbum noise, com infusões e boas doses de free jazz, emprenha-se também de fragmentos, frequências baixas e texturas saturadas.

Serviria de base musical para os últimos protestos que ocorrem no país de origem dos Mula. Os protestos antigovernamentais na Colômbia, desencadeados pela proposta do aumento dos impostos gerado pelo governo, não olhou para a questão sócio-económica que a Colombia atravessa devido à Covid. Milhões de pessoas foram para a rua manifestar o desagrado e o apelo foi deferido pelo governo que retirou o plano tributário proposto. Mas por detrás desse problema, existem mais outros que ficaram por resolver e que já existiam.

Resiliente distribui-se em oito temas cheios de fúria e bizarria. Side A: Hija, Siete, Sonámbulo, Ataraxia | Side B: Petricor, Mondo Barbián, Vagido, Hija de Remy. Nesta obra, a banda sonora de Chapinero (distrito de Bogotá) faz uma pausa e abre o campo de um free jazz ruidoso emancipado onde as distorções reinventam o imaginário e os instrumentos (baixo elétrico, sax. tenor, alto e barítono clarinete, guitarra, bateria e teclados).

Entre ironia e provocação, a confusão de Mula incorpora samples em alemão e espanhol, gravação sonora de campo, respingos de receitas de guacamole: "guacamole sem tempero é como amor sem desejo", versos do pai do criador de Rasqa, Edson Velandia. Ela transporta-nos numa jornada anti-poética intergaláctica até à era do fim da razão. 

O álbum contém uma homenagem subliminar ao baixista colombiano Humberto Monroy e o tema actual de El maravilloso mundo de Ingesón (1968), "Se a guerra é um bom negócio, invista em seus filhos", e inúmeras evocações de bandas como Supersilent, Swans, Behemoth, Sonic Youth, José José e Diomedes Díaz. Antipatriarcal, antiestético e anticonformista, Mula insere-se na cartografia das bandas da região latino-americana e representa um acento radical e urgente contra as frágeis neuroses sociais que a música criativa luta com crueza e sinceridade. Mondo Barbián é o momento alto do disco.


O colectivo musical que perdura há 9 anos e  a lista de todos os envolvidos na gravação de Resiliente: 
Saxofone Tenor: Juan Ignacio Arbaiza, Bateria: Camilo Bartelsman, Baixo: Santiago Botero, Sintetizadors e Computador: Diego Herrera, Guitarra: Enrique “Kike” Mendoza, Clarinete, Clarinete Baixo e Saxofone Alto: María “Mange” Valencia. Convidados: Trombone (Ataraxia), Jose Miguel Vega “El Profe”, “diatribe on the guacamole of a Frenchman" (Ataraxia), German Velandia. Composição | Santiago Botero. Gravação | Daniel Bustos à Estudios, Audiovisión à Bogotá (Colombia) en 2016 Mistura | Benjamin Calais (** Hija de Remy by R3myBoy) Masterização | R3my Boy Arte Visual | Bibiana Rojas

Os Mula descrevem o seguinte cenário que ocorre na Colômbia:
"Estamos no meio de uma crise sócio-económica e política. Desde 28 de abril de 2021 as pessoas protestam nas ruas contra o actual governo. Esses protestos não parecem ser explicados apenas pelo descontentamento popular manifestado contra o anúncio de uma reforma tributária promovida pelo presidente Ivan Duque. Embora seja compreensível a rejeição da cobrança de impostos em tempos de desemprego massivo e dificuldades económicas, o que mais revolta a população do país é o nível de violência e brutalidade policial demonstrada pelo governo desde o início dos protestos. 

Entre 28 de Abril e 5 de Maio ocorreram 1.708 casos de violência policial, 381 vítimas de violência física infligida pela polícia, 31 mortes, 1180 prisões ilegais e arbitrárias contra manifestantes, 239 acções violentas da polícia e das forças militares, 31 pessoas com ferimentos nos olhos, 110 disparos de arma de fogo (armas letais) da polícia, 10 vítimas de agressão sexual por membros da força policial e 87 casos de desaparecimento forçado durante os protestos. Nem mesmo a declaração há alguns dias do presidente da Colômbia anunciando que o projeto de reforma tributária seria retirado serviu para amenizar a indignação do povo, e por um bom motivo. Essa reforma tributária foi apenas a gota que derramou o copo, existem muitos motivos para protestar, as leis tributárias da Colômbia não têm um sentido de justiça e equidade, uma horrível reforma da saúde está a caminho, o assassinato sistemático de líderes sociais ao redor do território por exércitos paramilitares (às vezes com o conhecimento ou ajuda do governo, polícia e militares), o massacre de crianças, a intimidação constante da classe política para com o povo que deveria trabalhar para um presidente incompetente que é o fantoche dos mais sombrias figuras lideradas pelo ex-presidente Alvaro Uribe Velez. Narcotraficantes e paramilitares, altos níveis de corrupção e a má gestão da cobiçada pandemia que levou o povo colombiano a uma crise económica e social, são apenas alguns dos motivos para protestar. 

A sensação de medo é uma constante agora. Os média locais são parciais, sentimo-nos sequestrados e aterrorizados pelos nossos chamados líderes. O governo está a matar-nos. Gostaríamos de usar esta janela de oportunidade para aumentar a conscientização sobre esta situação. Por favor, compartilhe e divulgue a notícia, se puder ajudar, há um link gofundme que pode visitar para ajudar a primeira linha de manifestantes."


Texto: Priscilla Fontoura