![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgu41b0DSiH481_YrU0dO3rStYzl7XKvhoS83-FGSjZHGf2BUw_4D44GYoRbySbAtzZ-qW82oUWaOlHJBzd5zf8BC7m6gojelqdc-LmuXJXybmgYJ4dLV46LP0_pYK_E2gSCHPkI2Hg9Lgr/s16000/large_black-bear-poster.jpeg)
Nem pessoas, nem realidades abrem tanto o nosso cérebro quanto certos filmes que indicam que determinada fase da nossa vida não era disruptiva, mas uma reacção normal para uma situação anormal. É assim que se apresentam na tela aqueles seres com pensamentos projectados naquele quadro que nos guia para dentro de uma história com a qual nos identificamos.
Aubrey Plaza já tinha mostrado a sua capacidade em Parks and Recreation, mas é com Black Bear que se vê até onde pode e consegue ir. Black Bear divide-se em dois actos, a actriz separa-se em duas pessoas diferentes em cada acto, mas as duas têm uma relação com o macho alfa que manipula, cinicamente, a história. Será?
Dos dois actos, o último apresenta o caos muitas vezes real durante a rodagem de um filme e como todos os membros da equipa se comportam face às idiossincrasias que dali decorrem. O filme realizado e escrito por Lawrence Michael Levine é, no fundo, um olhar fascinante sobre as complexidades criativas patentes no mundo do cinema, uma experiência provocante que faz crescer o drama psicológico - inabalavelmente honesto - potencializando o talento de Aubrey. O filme The War of the Roses (1981) revela um casal cruel preso a uma espiral de ódio tóxico que poderá servir de relação no que respeita a referências fílmicas para Black Bear que se constrói numa narrativa equivalente. A direcção de actores é de facto o ponto forte do filme que não tem como intenção dar respostas simples para o seu próprio mistério - pelo contrário, em vez disso, o pesadelo que é montado passa de normal a surreal e complexo.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVgMP548S8PQ6Ce5J0B01lU72q0vuZB_qUnGVOzPFF4LfRyAA3PWOLgCyZ5bDrHJrtaoFSg-pPu-zkfdsuy3hQFnpRUETQcGQsNc848YJQ-5sZhggT8idZrXqD8s6N8RlmRM8hyaVW-KBf/s16000/REVIEW-Black-Bear-2.jpeg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2anVaWuM3-nIP2_bybkIYgzwYyPcjyMupw6EbGk7f5gPTHhqjtDU1f8WvVdzn5v5oU7jh-X-pVghSX2gLMSLYNJ1yyCwPAtl-09-l2_APU_5lp0ZtxQViXt8Wb-133KZvElVPF4YKpKGJ/s16000/blackbearw1.jpeg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLmIbTR61llmEh-aVt5zK0QAtYujm9mGeRRlAHinY_6TQ8C08v30DPyT7MK42d0imeHYDDJDAyftAi9SbBEojF32YrOxqhs_8s1bgF515fpB-mgJTiRdX-dX4aoCKkjEFwKFuCLQ6qiXdX/s16000/BLB_selects_g_r709_1.160.1.jpg)
Aubrey Plaza traz todo o seu talento para a ironia divertida e inescrutável para o papel de Allison, uma cineasta que chega a uma bela casa à beira do lago no fim de semana com a aparente intenção de recarregar as baterias criativas e trabalhar num guião para cinema. Vemos as suas anotações num bloco de notas, e a caligrafia rabiscada é o motivo para as legendas e para os créditos. A casa pertence a um belo casal, Gabe (Christopher Abbott) e Blair (Sarah Gadon) são amigos de amigos de Allison e têm uma política informal de emprestar a casa para artistas. Desde o início, há uma fricção inquietante entre os três. Allison estabelece um tom irónico de troça que é perigoso para pessoas que não se conhecem muito bem; Blair não sabe se está a troçar dela ou a seduzir o seu marido Gabe, e Gabe acha que o consumo repentino de vinho de Blair é inadequado, uma vez que está grávida.
O álcool costuma ser o alicerce fácil para que pessoas com grande insegurança possam sentir-se mais propensas a ser (se calhar) o que de facto são e pensam, o seu consumo excessivo pode provocar tensões em momentos sociais como jantares. Em Black Bear esse momento-tipo acontece durante um jantar em que Gabe e Blair discutem em crescendo nos níveis de Quem Tem medo de Virginia Woolf?, desencadeados pela atracção que Gabe sente por Allison. Tudo leva a um desfecho horrível. O próximo acto inverte os papéis das personagens femininas no que à relação com Gabe diz respeito.
É importante ressaltar que o argumento que levou ao desastre o primeiro acto foi por causa de papéis de género: Gabe disse que o abandono da sociedade moderna desses papéis levou à infelicidade. Espantado com essa deslealdade reacionária, Blair o acusa de ser antifeminista, mas Allison concorda com Gabe. No segundo acto, vê-se Allison sob uma luz totalmente diferente: é a actriz e Gabe o seu realizador.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFsZ6lye42qbH9pfWqtY0H18t3JTc_1PxxrC8qqQDVynpEZ74yTMHON1zOZCfEVSBBQPl-Zc1RSEWRfVrgFMEsQStwjFYdwTx2KXAQsTrdVcwjDa-XMayB3xE7C2yefsp1rJaS4EnN6Gwn/s16000/black-bear-featured_01.jpeg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCP2aHacHS0glfcguAmdfVGmyqs1iFFr5nVh65oVnDP9ui5RdANSAJfMd03fGdX2rSYWjEWrVBBDXnOobx4lxjGAvLUbmls9KccrM_gMKGc9DNeb5kZX81NVEpLX7qufDpFt-hgWxeZAjs/s16000/bear1.jpeg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs9R0n3vFYA73JRIDBl3nC6R7rTqrHK77ilWUdqbYsC-OotFL0nBaDdVsIMq0jhM4hgPj2PeQU3bKxnmcYgCBDsNzMBYZs-kIHJ5FGA955cl6be2dvm8GnPnOrB-S_AiwtgJyIdII8ZJ9P/s16000/Black-Bear-Featured.png)
Este novo tom e o novo elenco expandido actualizam e revigoram o filme de uma forma engenhosa: o tempo, a banda sonora, a nova dinâmica do grupo interno fazem uma mudança surpreendente, mas a relação com o que aconteceu anteriormente carrega a acção com significado. Damos de caras com uma família muito disfuncional.
Chega-se então a uma infinitude de questões: afinal de contas quem é que está no comando? Quem é o realizador, ou o Urso Negro? Allison, como actriz principal, tem o poder; comanda o que acontece, principalmente porque consegue fazer alterações no guião no último momento. Este é o melhor papel de Plaza, a sua sensualidade fria alcança algo mais misterioso do que qualquer coisa que tenha feito anteriormente. E o Urso Negro do título assume inevitavelmente mais do que uma forma: um apelido, uma metáfora para o perigo sexual, um urso real de carne e osso. É símbolo e realidade: como o próprio filme, é um acto duplo com garras. Apesar de todos os protestos pró-feministas, será que numa relação amorosa essa capacidade de não se deixar dominar existe para afrouxar as garras que a masculinidade sempre tentou controlar, às vezes até de uma maneira silenciosa e manipuladora? Afinal quem domina quem quando numa relação não se respeitam princípios humanos e democráticos?
Texto: Priscilla Fontoura