O nome de Mette Rasmussen é ainda desconhecido em Portugal, assim como o é em toda a Europa do Sul. No entanto, na Escandinávia, pelo contrá...

Mette Rasmussen Trio North celebra a vida dos pássaros em Serralves, na 31ª edição do Jazz no Parque



O nome de Mette Rasmussen é ainda desconhecido em Portugal, assim como o é em toda a Europa do Sul. No entanto, na Escandinávia, pelo contrário, já conquistou um estatuto especial.

A plateia sentada, ainda sem o sol se pôr, à frente do palco aguarda o Mette Rasmussen Trio North. Até a flora e fauna que habitam Serralves o aguardava. Mette Rasmussen é a atracção desta tarde do Jazz no Parque em Serralves, que celebra a sua 31ª edição. A loirinha, já com os cabelos mais curtos, tem vindo a colaborar com nomes de referência da cena mais alternativa, tanto do jazz como outros géneros. É membro do Trio Riot, uma banda de jazz punk. Em 2013 formou um dueto de saxofone e bateria com o baterista americano Chris Corsano, com quem tem feito digressões. Toca com o novo trio de Alan Silva e Ståle Liavik Solberg, a Trondheim Jazz Orchestra e a Fire! Orchestra, Godspeed You Black Emperor!, colaborando ainda com músicos como Rudi Mahall, Steve Noble, Axel Dörner, John Edwards, Pat Thomas, Craig Taborn.

A saxofonista dinamarquesa sediada na Noruega tem chamado a atenção dos meios que tendem a lidar com o jazz de improvisação e os seus frequentadores. Foi com Up Down Fish que deu as boas-vindas à audiência, dizendo que não poderia começar melhor o concerto senão com o tema que ilustra o país do peixe.

Durante a pandemia, a improvisadora dedicou grande parte do seu tempo ao estudo de composição, momento que deu início ao Trio North para materializar as suas ideias mais vibrantes. Dos assuntos mais abordados inclui-se a política, destacado no segundo tema com o sample em repetição com voz gravada que repete: "industrialismo, consumismo, natureza humana, mudanças climáticas, nós somos o planeta, lutar contra o racismo, contra o colonialismo, ricos/pobres, nós somos o planeta, revolução, evolucionismo, ao contrário, estacionário, hashtag sem conteúdo.". Ouve-se assim o jazz crítico e activista que confronta as práticas do mundo actual, Mette preocupa-se em criticar o modo como temos vindo a tratar o planeta.


O trio, que se divide em contrabaixista, baterista e saxofonista, comunica sem demonstrar qualquer dificuldade em executar contratempos ou tempos difíceis de encaixar, e Mette atinge, sem dificuldade, quase no mesmo instante, notas agudas e graves com sensibilidade singular. Movimenta o corpo para dar força ao sopro e às notas que consegue atingir, dobra e contorce-o para exprimir o que lhe vai na alma. Uma alma complexa que olha, provavelmente, para a realidade com a complexidade que contempla o jazz de improviso e fusão. A conversa entre os três instrumentos exprime a sensibilidade feminina no tema Feminine Nature. Mette fala sobre o tempo que viaja sobre nós. Musicalmente é como se o trio quisesse dar uma lição de tempo ao tempo. Domina tempos difíceis que um leigo não consegue acompanhar. Andam à volta para chegar ao início de Repeated Statement e explica que o tema aborda a tendência da História, uma ciência que tem vindo a repetir-se e indica que as acções dos Homens continuam iguais.

Parecia ser o último tema, cujo título em norueguês não tem tradução para outras línguas, acompanhado a baixo eléctrico com pedal de distorção, mas não. O tema mais pesado traduz a algazarra que acontece nos bares, aquando do momento da digressão das bandas, com garrafas por todo o lado enquanto se ouve punk mesclado em todo o tipo de paisagem sonora, própria desses locais.

Rendido ao público e ao verão quente de Serralves, o trio cedeu às palmas das pessoas que pediam por mais. Os pássaros também pareciam pedir o mesmo e Mette respondeu-lhes no mesma dialecto, recorrendo ao apito.

Ao nível técnico e ao nível da inventividade, Mette transparece um largo espectro de influências. Desde o free jazz dos anos 50 do século passado a trabalhos de um som “textural”. Explora a crueza natural do seu instrumento, experimentando também o som e o timbre do saxofone em novas direções. Começou a tocar música livremente improvisada numa fase muito inicial da sua carreira. Trabalhou tanto a improvisação livre como a composição com a banda dinamarquesa Saft. Nos últimos anos tem participado em diversos grupos e em formações ocasionais e toca sobretudo na Europa, em especial na Escandinávia.


Texto: Priscilla Fontoura