Álbum "Self Portrait", de Bob Dylan Bob Dylan é um nome que dificilmente escapa a alguém que ouça folk, e é um ícone global cuja p...

Wunderkammer: a universalidade da obra do metamorfo Bob Dylan

Álbum "Self Portrait", de Bob Dylan

Bob Dylan é um nome que dificilmente escapa a alguém que ouça folk, e é um ícone global cuja projecção foi reforçada em 2016 por ter sido laureado com o prémio nobel da Literatura graças à criação de novas expressões poéticas na tradição da música americana. De facto, Bob Dylan é um nome incontornável para a cultura americana. A sua influência como cantor e compositor fez nascer outros autores de referência dentro e fora do revivalismo folk e a sua carreira dura ao longo de cinco décadas. Escreveu cerca de duas dúzias de canções de orientação política, que refletiam a mudança da geração baby-boom do pós-guerra e o apelo a movimentos dos direitos civis e anti-guerra. 


Temas como "Blowin' in the Wind", "Knockin' On Heaven's Door" e "Like a Rolling Stone" estão consolidados na cultura pop. A par da música e poesia em que se sente a promoção de paz e justiça, também acresce ao autor o estatuto de cineasta e artista visual. O seu trabalho tem sido aclamado pelo imenso talento plasmado nas suas obras. No âmbito da sua exposição "Mood Swings", na galeria de arte Halcyon, em Londres, Bob Dylan afirma o seguinte:
"Estive cercado de ferro toda a minha vida, desde criança. Nasci e cresci no país do minério de ferro onde podia respirar e cheirá-lo todos os dias. Portanto, sempre trabalhei com esse material de uma forma ou de outra. Portões atraem-me por causa do espaço negativo que têm. Podem ser fechados, mas ao mesmo tempo permitem que as estações e as brisas entrem e fluam. Os portões podem prender ou excluir. De certa forma, não há diferença."

Bob Dylan no estúdio, imagem de John Shearer
Bob Dylan, "Double Gate I", 2020 © Bob Dylan

Bob Dylan é versátil e reúne valências nas práticas artísticas que lhe permitem de ir a um ponto a outro sem demonstrar qualquer dificuldade. Em 1966, a voz de Dylan era ouvida do Ocidente ao Oriente. Nesse mesmo ano, no Verão de 29 de Junho, é vítima de um acidente de viação no interior de Nova Iorque. Ainda hoje, tal acontecimento é assinalado como misterioso e cuja disseminação se deu quando foi reportado no New York Times; no entanto, não existe nenhum registo oficial da polícia sobre o acidente. Foi nessa altura que Dylan começou a pegar no lápis e a dedicar-se ao desenho mostrando interesse pelas artes visuais.


A primeira vez que apresentou o seu traço ao mundo foi em 1968, no álbum "Big Pink" da banda The Band, produzido por John Simon. A banda improvisou e gravou com Bob Dylan várias versões do músico folk no porão de uma casa conhecida como "Big Pink" pela sua fachada cor de rosa, em West Saugerties, em Nova Iorque. Após meio século, o Museu de Arte Patricia & Phillip Frost, em Miami, reuniu cerca de 200 obras do artista. À coleção "Retrospectrum" incluem-se desenhos, pinturas, esculturas de ferro e arte efémera, mas também a sua mais recente "Deep Focus" que retrata em pintura cenas de filmes.


O autor faz uma auto-reflexão sobre a sua arte:
"Eu realmente não a associo a nenhum tempo, lugar ou estado de espírito em particular, mas vejo-a como parte de um longo arco; uma continuação da maneira como avançamos no mundo e a maneira como as nossas percepções são moldadas e alteradas pela vida."

Bob Dylan, "Shelter from the Storm", 2020. Carta e desenho de Bob Dylan. © Bob Dylan
Bob Dylan, "Blue Swallow". © Bob Dylan, Retrospectrum.

As suas obras foram exibidas pela primeira vez em 2007 na Alemanha, e a estreia de "Retrospectrum" teve lugar no Museu de Xangai em 2019. A arte de Dylan é marcada pelo seu olhar agudo e configura-se pelo tom universal. Tudo o que faz não é determinado pelo tempo nem pelo lugar, tanto as letras que escreve, as canções que compõe e os quadros que pinta. 

Bob Dylan, "Eat Harlem Elevated", 2020. © Bob Dylan

Bob Dylan, "Sunset, Monument Valley", Tríptico, 2019. © Bob Dylan

Texto: Priscilla Fontoura
Imagens: Bob Dylan