No ano passado, os campos dos festivais de Verão "voltaram à sua origem" e os únicos concertos que lá aconteceram foi ao sabor da ...

Em comunhão com a natureza, a sexta edição do Rodellus encerra-se com Krypto e Black Bombaim


No ano passado, os campos dos festivais de Verão "voltaram à sua origem" e os únicos concertos que lá aconteceram foi ao sabor da sonorização ecoada pelos insectos e demais bichos, não se avistando registo de pegada humana. Este ano, embora alguns organizadores tenham desistido da ideia de dar continuidade a eventos de música que merecem toda uma logística elegível para acontecimentos de maior dimensão, os de menor escala ocorreram mediante as regras de cumprimento de ajuntamento de modo a tornar a cultura um lugar seguro.

Esta edição do festival Rodellus em Braga, Ruílhe, devido ao pequeno número de pessoas permitidas no festival, decidiu transmitir em streaming os concertos que aconteceram em três sessões diferentes e cujo fundo tem como destino a União Audiovisual para apoiar os profissionais da cultura que viram os seus trabalhos parados por causa da pandemia. 

O Rodellus 2021 encerrou no passado dia 7 de Agosto com os portuenses Krypto e os barcelenses Black Bombaim numa atmosfera mais contida e controlada, com cadeiras de plástico, frente ao palco modesto, que acabaram por causar no público uma espécie de refreamento. Como ouvir rock pesado sentados em cadeiras como se fosse um auditório ao ar livre? Tal como o ambiente sem precedentes que todos vivemos no início da pandemia: "Primeiro estranha-se. Depois entranha-se.". É claro que não se compara à liberdade de outra altura que não causava desconfiança noutros festivaleiros, a realidade é que a Covid-19 mudou o estilo de vida e alterou também os comportamentos da vida social que deixa saudades de como era vivida. 

Nós, disfarçados de agricultores, estávamos a precisar de rock, rock pesado e feroz. Chegam ao palco os Krypto com temáticas que assentam em alienação, corrupção, vazio consumista perpetuado pela tecnologia e cultura empresarial, como também o desenvolvimento da inteligência artificial, construídas pelo trio portuense (que alegoricamente poderia ser um cão a fugir com a língua de fora de toda a disrupção) formado pela voz de Ruizinho, o frontman frenético que desde os finais dos 90 enfrenta palcos sem timidez, pelo groove do baixo de Martelo que se mistura com guitarra tocada com power chords, e pela bateria punk-hardcore de Chaka. A banda — que lançou durante a pandemia Eye 18 com uma BD da Chili com Carne —, ressoou com garra Spitwater fazendo jus à gravação. O trio ao longo do concerto foi libertando toda a sua tensão e a plateia que só queria corresponder à medida, mas tinha como obrigação acatar as regras. Um concerto rápido que cumpriu os requisitos daquela tarde. 

A pausa para Black Bombaim permitiu mais um tempo de convívio comedido entre os festivaleiros, que não demorou muito a ser interrompido pelos seguidores do rock psicadélico californiano. Ricardo Miranda desbundou a stratocaster com o som transformado pelos pedais como se não houvesse amanhã; para quem esteve sob o efeito de alucinogénicos de certeza que fez a viagem sem qualquer dificuldade, os mais sóbrios contemplaram a paisagem bucólica crepuscular, enquanto se ouvia Africa II de Far Out.

O festival rural de pequena escala tem como foco dinamizar a força local e comunitária, uma vez que segue a matriz que valoriza a importância da sustentabilidade e da consciência local. A edição deste ano teve como surpresa duas lembranças, uma resposta empática da organização para quem é mais sensível à exposição ao sol, chapéus de palha e plantas que passam uma mensagem verde: levar o campo para casa. A pandemia não é o único alerta para a mudança de paradigma dos modos de vida permeados por uma mais stressante e agitada, os efeitos irreversíveis das alterações climáticas devem ser levados a sério para que a mudança seja efectiva, global e muito mais consciente. A pandemia veio desacelerar o que degenera a todo o gás. Será que ainda vamos a tempo? O trabalho que a associação cultural Rodellus tem desenvolvido pode ser uma gota no oceano, mas tem desbravado terrenos e desenterrado costumes que muitos têm vindo a negligenciar. Entenda-se; dar valor ao campo não deve ser só para os que não têm medo da vida rural, mas para quem realmente almeja um futuro melhor para todos! Que seja a música o motor de arranque para os mais incautos. 


Texto: Priscilla Fontoura
Imagens: Emanuel R. Marques e Priscilla Fontoura
O texto não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico